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2017-03-02

Tarde - Luís de Montalvor (na passagem do 70º aniversário do seu desaparecimento)


Ardente, morna, a tarde que calcina,
como em quadrante a sombra que descora,
morre − baixo relevo que domina −
como um sol que sobre saibros se demora.

Inunda a terra a vaga de ouro: fina
chuva de sonho. Paira, ao longe, e chora
o olhar errado ao sol que já declina
sobre as palmeiras que o deserto implora.

A um zodíaco de fogo a tarde abrasa,
em terra de varão que o olhar esmalta.
− Estagnante plaino de ouro e rosas − vaza

nele a sombra, sem dor, que em nós começa
e galga, sobe, monta e vive e exalta.
E a noite, a grande noite, recomeça!

LUÍS DE MONTALVOR era o pseudónimo literário de Luís Filipe de Saldanha da Gama da Silva Ramos, que nasceu em São Vicente de Cabo Verde a 31 de Janeiro de 1891 e pereceu afogado no rio Tejo, em Lisboa, juntamente com a família, num acidente automóvel aparentemente suicida, a 2 de Março de 1947. Viveu no Brasil de 1912 a 1915 como secretário da embaixada de Portugal. De regresso, foi um dos fundadores da revista «Orpheu» (1915) e, mais tarde, da editorial Ática, que deu início à publicação sistemática das obras de Fernando Pessoa (1942) e Mário de Sá-Carneiro (1946). Os seus próprios versos seguem uma estética simbolista-decadentista, que revela influência do poeta francês Mallarmé.

Soneto e Nota biobliográfica extraídos de «A Circulatura do Quadrado - Alguns dos Mais Belos Sonetos de Poetas cuja Mátria É a Língua Portuguesa. Introdução, coordenação e notas de António Ruivo Mouzinho. EdiçõesUnicepe - Cooperativa Livreira de Estudantes do Porto, 2004).

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