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2014-01-23

ode ao pecado original - Mel de Carvalho

se as leis não comportam o meu querer
e, à vista derribada de teus olhos, a preito e a preceito,
se incendeiam em mim, restolhos, papoilas e sargaços

se, faminta me faço e d'ébria sinopse me embriago
e desfaleço
em agonia maior,
se o dia passa e já se esvai,
se a noite cai e te não traz ao fascínio de meu colo,

se percorro caminhos controversos d'interditos traçados,
e sempre me detenho na forma imperfeita, incompleta,
do desenho de teus passos decalcados na areia,

se, o sangue que me circula em golfadas nas veias
contém do teu a matriz primeira e nos achámos cinjos, enlaços,
em pactos vampirinos de sal e luas cheias

se, em heresia me tomas, me suavizas o rosto,
me banhas a pele da boca em saliva quente
me sugas o pescoço, me dobras p'la cinta,
me chamas menina e me fazes princesa

então

que se esgotem mares, marinas e marés de leveduras e espuma
que se afundem dunas em milhafres de sapais

que se fundam infinitos luzeiros d'asteróides e sóis
que se apaguem da orla da praia archotes ou faróis

para que
meu barco perdido na bruma, sem norte,
ao negrume do tacto aporte na vereda do teu corpo

e que
a coberto da noite

se faça de nós, em acto consumado,
a liturgia satânica de original pecado.

MEL DE CARVALHO (Maria Amélia de Carvalho) nasceu em Lisboa, a 23 de janeiro de 1961

Poema extraído do blog da autora aqui

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