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2014-01-03

Mas nem se sabe, amor - Vasco Graça Moura


uma corrente surda que nos lava
e leva de palavras uma tanta
respiração mordida se enobrece
(andamentos do tempo, lucidez)
mas por baixo dos lagos que reflexo
na cerrada retícula que somos
de vísceras opacas e dos centros
da dor e do prazer uma corrente

ontem, amor, em si se iluminaram
discretamente as pálpebras bebidas
se humedeceu assim o abandono
correndo o púbis enumero a cama
a cércea a relva as silvas tudo junto
ao meu desassossego e adejaram
cortinas nunca mais que espelho a viu
perdendo-a nos meus olhos, amor, ontem

dessas perguntas vário afago e vento
desvelada avidez e toque enxuto
tantas coisas, amor, unicidades
desejo do desejo as utopias
de miúdos vagares tão amiúde
do dia não direi; desperta a noite
assim em toda a vida irei mordendo
mas nem se sabe, amor, dessas perguntas

Vasco Graça Moura nasceu na Foz do Douro (Porto), a 3 de Janeiro de 1942.

Ler do mesmo autor, neste blog:
blues da morte de amor
do tempo que passa
o soneto encontrado na garrafa
Soneto do amor e da morte
Lamento por Diotima

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