Viviam sempre contentes,
No seu buraco metidos,
Quatro ratinhos valentes,
Quatro ratos destemidos.
Despertaram certo dia
Com vontade de comer,
E logo à mercearia
Dirigiram-se a correr.
O primeiro, o mais ladino,
A uma salsicha saltou,
E um bocado pequenino
Dessa salsicha papou.
Eu choro do rato a sina,
Que a tal salsicha matou,
Por causa da anilina
Com que alguém a colorou.
O segundo, coitadinho,
À farinha se deitou,
E comeu um bocadinho,
Um bocadinho bastou.
Após comer a farinha
Teve ele a mesma sorte,
Pois o alúmen que ela tinha
Conduziu-o assim à morte.
O terceiro, pra seu mal,
Gotas de leite sorveu,
Mas o leite tinha cal;
Foi por isto que ele morreu.
O quarto, desmiolado,
A negra morte buscou,
E julgou tê-la encontrado,
Quando o veneno encontrou.
E sorvendo sublimado,
Enquanto este gastava,
(Agora invejo-lhe o fado),
O feliz rato engordava.
É só cá neste terreno,
Que caso assim é passado —
Até o próprio veneno
Já fora falsificado!
[c. 22-3-1902]No seu buraco metidos,
Quatro ratinhos valentes,
Quatro ratos destemidos.
Despertaram certo dia
Com vontade de comer,
E logo à mercearia
Dirigiram-se a correr.
O primeiro, o mais ladino,
A uma salsicha saltou,
E um bocado pequenino
Dessa salsicha papou.
Eu choro do rato a sina,
Que a tal salsicha matou,
Por causa da anilina
Com que alguém a colorou.
O segundo, coitadinho,
À farinha se deitou,
E comeu um bocadinho,
Um bocadinho bastou.
Após comer a farinha
Teve ele a mesma sorte,
Pois o alúmen que ela tinha
Conduziu-o assim à morte.
O terceiro, pra seu mal,
Gotas de leite sorveu,
Mas o leite tinha cal;
Foi por isto que ele morreu.
O quarto, desmiolado,
A negra morte buscou,
E julgou tê-la encontrado,
Quando o veneno encontrou.
E sorvendo sublimado,
Enquanto este gastava,
(Agora invejo-lhe o fado),
O feliz rato engordava.
É só cá neste terreno,
Que caso assim é passado —
Até o próprio veneno
Já fora falsificado!
in Poesia do Eu, Obra Essencial de Fernando Pessoa, edição Richard Zenith, Assírio Alvim
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