Pensativa deixa a fronte
sobre o teu seio inclinar:
todo o matiz do horizonte
embebe a curva do mar.
Não te envolvas no manto da tristeza
que a noite desenrola sobre a praia...
teu seio é mais feliz que a natureza
o sol do teu amor nunca desmaia!
Olha, a papoila rubra
perdeu todo o carmim;
antes que a noite encubra
da tua gelosia a bambinela
já tu, pomba singela,
já tu pensas em mim!
Deus pague os teus extremos
Deus pague o teu afã;
pois nós os desgraçados bem sabemos
que és a estrela da tarde e da manhã.
Eu não mereço tanto!
Quem é que a tanto aspira?!
Quem troca um doce beijo por um canto?
Quem vende o coração por uma lira?
Só tu... do Eterno o dedo
gravou no coração o que traduzo
de dia, ébrio de medo,
de noite, inda confuso.
Do pó que se levanta numa estrela
forma o sol nuvens d'oiro:
tu formas da pobreza da minha alma,
tu formas um tesoiro.
Suspira, ao perto, a aragem
e tu mais ansiosa
cuidas que vem surgindo a minha imagem
detrás da velha árvore frondosa.
O som que a medo exala
o rouxinol, cismando no seu ninho,
te faz imaginar a minha fala,
perdida no caminho.
Perdi-me, sim, perdi-me
nas trevas do meu quarto, vacilante
a cismar se pudera o frágil vime
ser do cedro rival por um instante.
Oh nunca, nunca! A minha consciencia,
tranquila já não cisma.
Eu só posso encarar a tua essencia
através dalgum prisma.
Sim... a minha razão não é tão fátua!
Que sou eu senão párea
que mal pode beijar o pó da área,
em que te firmas, luminosa estátua?
Condene-me ao desterro
quem é do paraíso...
tu tens a culpa, o erro,
em dar-me tanto orgulho
num trémulo sorriso.
Mas na balseira súbito
uma pomba soltou o doce arrulho
e tu, que jamais cansas
quando por mim anseias
hás sentido o calor das esperanças
uma a uma, correr todas as veias!
E de novo inclinaste o ouvido atento
dizendo uma outra vez:
- virá? virá?... quem sabe» ao longe o vento,
ao despertar um eco de traidor,
te murmurou «talvez!»
O mais subtil rumor
te faz estremecer dentro do seio
uma ideia do bem, outra d'amor!
Eu também tremo e cismo e luto e anseio
e deixo ao abandono
da interna tempestade
- como escravo que treme ante seu dono -
a luz da inteligência,
o fogo da vontade!
...
in Rosas e Nuvens, Porto, Imprensa Portuguesa 1870
Francisco Marques de Sousa Viterbo (Porto, 29 de dezembro de 1845 ou 1846 — Lisboa, 19 de dezembro de 1910)
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