Minha casa é estranhamente regulada. Quando uma lâmpada queima, as outras vão junto. É um boicote que aumenta em minutos para testar a paciência. O gás da cozinha falta bem no momento da janta, e logo de madrugada, com o objetivo de me constranger ao telefone com uma lista infindável de entregadores. Se o computador estraga, o chuveiro também e o microondas sofre problemas de circuito. Confio que os aparelhos se imitam e conversam entre si. Devem reivindicar melhores condições de trabalho e uso, cobrar insalubridade, ou estão cansados das extensões e da sobrecarga indevidas. O certo é que minha casa é grevista. Insurgente. Nunca acontece de algo quebrar isoladamente.
Cheguei a minha residência depois de uma série de viagens. E mal acendi a luz, puf, puf, puf. Meu dedo estalou em cada interruptor. Teve até choque. Foi patético, para não dizer desanimador. Corredores mexendo as sombras, as paredes escorrendo a cegueira.
Mas, um pouco antes de explodirem, as lâmpadas aumentaram sua fosforescência. Puxaram todo o resto de força para refulgirem a extinção. Estenderam seus aros como nunca antes, com a potência de um refletor.
O mesmo ocorreu com o gás de cozinha, a chama das bocas subiu com perigosa curiosidade. Poderia ouvir o fogo gemer. Ele escurecia as bordas das panelas com sua assinatura. Quase formava os dedos de uma mão.
Conclui que o fim é lindo.
Assim como as luzes da casa e do fogão, o amor perto do desastre não se economiza. Não mais se contém. É desesperadamente transparente.
Um casal diante do fim terá a grande noite de sua vida por não prever uma próxima. Sairá do esconderijo porque não se vê mais seguro. Mostrará do que é capaz. Queimará o que guardou, não fará mais nenhum jogo, esquecerá a sedução e os conselhos dos amigos. Mais intensidade do que intenção.
É o escândalo da verdade. Tímidos se transformam em terroristas, calmos ficam enervados, pacientes se portam como histéricos. Por um instante, não há medo de fazer as propostas mais desvairadas, confessar palavras reprimidas, estender os olhos como um lençol limpo.
O fim é lindo. Do crepúsculo, de uma vela, de uma chuva. O fim é esperançoso, exigente. Pancadas de beleza. O som e o sol pulam como um suicida ao avesso para dentro da vida.
Fabrício (Carpi Nejar) Carpinejar nasceu em Caxias do Sul – RS, em 23 de outubro de 1972
2 comentários:
O fim é lindo.
Do crepúsculo, de uma vela, de uma chuva. O fim é esperançoso, exigente. Pancadas de beleza. O som e o sol pulam como um suicida ao avesso para dentro da vida.
SERÁ QUE O FIM é mesmo lindo?
huuuummmmm...
tenho as minhas dúvidas!
Mas, do que não tenho dúvidas é da minha FELICIDADE neste momento.
Convido-te a visitar, desta vez, o blogue:Deabrilemdiante
Lá, poderás ver as minhas pequenas Vitórias:
...Quando você ganhar, comemore: celebrar uma conquista é um importante rito de passagem. Esta vitória custou momentos difíceis, noites de dúvidas, intermináveis dias de espera. Desde os tempos antigos, alegrar-se com um triunfo faz parte do próprio ritual da vida
...
Beijinhos da Tulipa
Não sabia que hoje é aniversário do Fabrício. Ele tem um blogue, conhece?
Boa semana! Beijus,
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