Para ver quanta fé perdida
E quanta miséria sem par
Há neste orbe, atroz ruim
Pus-me à janela da vida
E alonguei o meu olhar
P´lo vasto Mundo sem fim.
Pus todo o meu sentimento
Na mágoa que não se aparta
Do que mais nos desconsola;
E assim a cada momento
Vi buçaes comendo à farta
E génios pedindo esmola!
Vi muitas vezes a razão
Por muitos posta de rastos
E a mentira em viva chama;
Até por triste irrisão
Vi nulidades nos astros
E vi ciências na lama!...
Vi dar aos ladrões valores
E sentimentos perdidos
Nas que passam por honradas
Vi cinismos vencedores
Muitos heróis esquecidos
E vaidades medalhadas
Vi no torpor mais imundo
Profundas crenças caindo
E maldições ascendendo
Tudo vi neste Mundo
Vi miseráveis subindo
Homens honrados descendo
Esse é rico, e não tem filhos
Que os filhos não dão prazer
A certa gente de bem
Aquele tem duros trilhos
Mas é capaz de morrer
P´los filhinhos que tem
Esta é rica em frases ledas
Diz-se a mais casta donzela
Mas a honra onde ela vai
Aquela não veste sedas
Mas os garotitos dela
São filhos do mesmo pai
Por isso afirmo com ciso
Que p´ra na vida ter sorte
Não basta a fé decidida
P´ra ser feliz é preciso
Ser canalha até à morte
Ou não pensar mais na vida.
Carlos Augusto Conde Poeta popular português, nasceu a 22 de Novembro de 1901, no Lugar do Monte na Murtosa (Aveiro), e faleceu em Lisboa a 13 de Julho de 1981)
Ler (e ouvir) do mesmo autor, neste blog:
Trem Desmantelado (na voz de Carlos do Carmo)
Não Passes com ela à minha rua (na voz de Fernanda Maria)
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