Há certas horas da vida em que o homem, de cabelo piolhoso, lança fixamente olhares de felino para as membranas verdes do espaço; pois lhe parece ouvir, à sua frente, as irónicas vaias de um fantasma. Cambaleia e baixa a cabeça: o que ele ouviu, foi a voz da consciência. Lança-se então fora de casa, com a velocidade de um louco, toma a primeira direcção que se depara ao seu estupor, e devora as planícies rugosas do campo. Mas, o fantasma amarelo não o perde de vista, e persegue-o com igual velocidade. Por vezes, numa noite de trovoada, quando legiões de polvos alados, parecidos ao longe com corvos, planam acima das nuvens, dirigindo-se em remada firme para as cidades dos humanos, com a missão de os avisar que mudem de comportamento, o calhau, de olhar sombrio, vê dois seres passar à luz do clarão, atrás um do outro; e, enxugando uma fugidia lágrima de dó, que corre da sua pálpebra gelada, exclama: «Certamente o merece, e é simples justiça.» Depois de dizer isto, volta à sua atitude bravia, e continua a ver, com um tremor nervoso, a caça ao homem, e os grandes lábios da vagina de sombra, de onde escorrem, contínuos, como um rio, imensos espermatozóides tenebrosos que lançam o seu voo no lúgubre éter, ocultando, com o vasto desfraldar das suas asas de morcego, toda a natureza, e as legiões solitárias de polvos, sombrias agora perante essas fulgurações surdas e inexprimíveis. Mas entretanto o steeple-chase continua entre os dois incansáveis corredores, e o fantasma lança pela boca torrentes de fogo sobre as costas calcinadas do antílope humano. Se, no cumprimento desse dever, encontrar pelo caminho a piedade que lhe quer impedir o passo, cede com repugnância às suas suplicações, e deixa escapar o homem.
Trad. Filipe Jarro
in Rosa do Mundo, 2001 Poemas para o Futuro - Assírio & Alvim
Isidore Lucien Ducasse, mais conhecido pelo pseudónimo literário de Conde de Lautréamont (n. Montevidéu, 4 de Abril de 1846 — m. Paris, 24 de Novembro de 1870)
Sem comentários:
Enviar um comentário