Páginas

2011-04-17

Centenário do nascimento de Laci Osório: Ibirapuitã

Ó rio da minha infância vou sonhando
que és um índio minuano negaceando
quando o vento sussurra nos caminhos.
Se o sonho da memória não me engana
vens num gosto de mel de lixiguana
emponchado das árvores, dos ninhos.

Cheiro forte de ervas curandeiras
no coadouro verde do campestre.
E os vestidos de chita e a flor silvestre
anilados no suor das lavadeiras.

As chuvas encortinam o sol poente
e lá na tarde branca do crescente
que faz o arco-íris quando acampa?
faz um rio multicolor entre os capões
tomar porre de nuvens e trovões
e ir babando espumas pelo pampa.

Nos retouços do vento matutino
grita um rio porque o tempo decalcou
as picadas que a história atravessou
de pala branco e lenço sulferino.

E o rio subiu de noite nos telhados
e o coração dos homens afogados
que as velas dos porongos alumiaram
boiando vai em contorsões de múculos
vai murmurando o terço dos crepúsculos
e vai rezando pelos que ficaram.

Mas quem de nós um dia não ouviu
quando o século vinte disse ao rio:
- exigimos de tí mais poesia
e logo logo no romper do dia
o rio boêmio redemoinha e dança
vem das fraldas da serra rio criança
para ser operário das turbinas.

E vai rolar bem cedo com a aurora
domado na represa o rio agora
o arroz de tranças ruivas mergulhou
e o cavalo de força relinchou
na tropilha noturna das usinas.

Há cantigas pagãs de picaretas
rumor de brocas, rinchos de carretas
e o rio boêmio bebe tempestade
Onde ele passa estancam-se os crepúsculos
sua fogo e relâmpago dos músculos
para subir nos postes da cidade.

O minuano murmura nos caminhos
e emponchado das árvores, dos ninhos
rio boêmio redemoinha e dança
corre e gira nos parques de tardinha
e gira e valsa e roda cirandinha
lá na roda gigante das crianças.

No crepúsculo rubro a lua cheia
tocou no velho angico um cantochão
em cada ramo um braço de violão
que o sabiá da praia bordoneia.

O rio das crinas brancas da represa
vara as noites rurais cheias de lenda
para rolar o trigo na moenda
e no milagre do pão em cada mesa.

E a tecedeira que tece fios de suor
fará um poncho para o seu amor,
da lã que a esquila colocou no tear.
E vai tecendo uma existência inteira
que se respeite o suor da tecedeira
senão o rio, o rio há de estancar.

A natureza com magia e arte
num comunismo lírico reparte
o colibri o sol a rosa e o estio
semeia o cedro e o guabiju na margem.
E sendo o rio o dono da paisagem
por que é que o homem não imita o rio?


poema daqui

LACY OSÓRIO (ou Laci, na grafia atual) nasceu em Alegrete-RS, a 17 de Abril de 1911 e
faleceu em 31 de julho de 1999 em Porto Alegre-RS.

Sem comentários:

Enviar um comentário