A menina tonta passa metade do dia
a namorar quem passa na rua,
que a outra metade fica
pra namorar-se ao espelho.
A menina tonta tem olhos de retrós preto,
cabelos de linha de bordar,
e a boca é um pedaço de qualquer tecido vermelho.
A menina tonta tem vestidos de seda
e sapatos de seda,
é toda fria, fria como a seda:
as olheiras postiças de crepe amarrotado,
as mãos viúvas entre flores emurchecidas,
caídas da janela,
desfolham pétalas de papel...
No passeio em frente estão os namorados
com os olhos cansados de esperar
com os braços cansados de acenar
com a boca cansada de pedir...
A menina tonta tem coração sem corda
a boca sem desejos
os olhos sem luz...
E os namorados cansados de namorar...
Eles não sabem que a menina tonta
tem a cabeça cheia de farelos.
Manuel Lopes da Fonseca (n. em Santiago do Cacém a 15 Out 1911 ; m. em Lisboa a 11 Mar 1993)
Ler do mesmo autor:
Estradas
Segundo dos Poemas de Infância
Ruas da Cidade
Os olhos do poeta
Romance do terceiro oficial de finanças
2 comentários:
Este Manuel da Fonseca é um caso muito sério...
Obrigada!
Pois é meu amigo; talvez ela precise de compreensão, ajuda. A menina tonta que talvez de tonta não tenha nada. Seja apenas incompreendida, solitária, desemparada...
Belo poema!
Bom fim de semana! Beijos
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