Meus olhos que por alguém
deram lágrimas sem fim
já não choram por ninguém
- basta que chorem por mim.
Arrependidos e olhando
a vida como ela é,
meus olhos vão conquistando
mais fadiga e menos fé.
Sempre cheios de amargura!
Mas se as coisas são assim,
chorar alguém - que loucura!
- Basta que eu chore por mim.
2
Nem sequer podia
Ouvir falar no teu nome.
E se fixava o teu vulto,
Irritava-me, sofria
Por não poder insultar-te...
Até que nos encontrámos!
Choviscava, anoitecia.
- uma chuvinha
Impertinente e gelada
Como sorriso de ironia
Numa boca desejada.
Já não sei o que disseste;
Nem me lembro do que disse...
A chuva continuava.
Atravessámos um jardim.
E à luz fosca
Dum candeeiro,
Segredaste ao meu ouvido:
Quero entregar-te o meu corpo.
E eu acrescentei: - Pois sim.
A chuva tornou-se densa.
Eu ia todo encharcado.
Por fim, chegámos; entrei...
Um marinheiro descia
Ajeitando a camisola
E compondo os caracóis.
Era uma casa vulgar
Aonde o amor
- Oculto a todos os Sóis,
Se dava e prostituía
A troco da real mola.
Arrependi-me. Blasfemei;
Mas quando abandonei os teus braços
Senti que tinha mais alma!
E nunca mais te encontrei!
(Ciúme, 1934)
António Tomaz Botto nasceu a 17 de Agosto de 1897, em Casal da Concavada, Abrantes e faleceu no Rio de Janeiro a 17 de Março de 1959)
Ler do mesmo autor, neste blog:
Sem comentários:
Enviar um comentário