National Gallery of Scotland, Edinburgh
no mais remoto isolamento da memória
guardei preciosamente a sombra dos basaltos
luminosos xistos frestas de granito janelas
perto de sainte-victoire mais cinzenta que nunca
pintava sem cessar pintava
desde o alvorecer até que a noite descia
obrigando a mão e o pensamento a desfalecer
trabalhei sempre a obsessiva luz
mas a velhice aprisionou-me na vertigem
muito longe na idade
continuei a pintar sur motif
parecia-me fazer lentos progressos
quase compreendi os sobrepostos planos
de um mesmo objecto sob a claridade d’aix
foi em 1906
montado num burro carregado com material
ia por onde o cortante mistral passara
deixando a descoberto o implacável sol
modulava terras pinhais nuvens casas corpos
mas a morte não consentiu que eu executasse
as vislumbradas geométricas paisagens e
comigo se perdeu o segredo dessa pirâmide
que é sainte-victoire vibrando
na cegante luminosidade do meio-dia
Antologia da poesia portuguesa contemporânea, um panorama. Organização de Alberto da Costa e Silva e Alexei Bueno. Lacerda Editores, Rio de Janeiro.
Al Berto [Alberto Raposo Pidwell Tavares], nasceu em Coimbra a 11 de Janeiro de 1948, m. em Lisboa a 13 de Junho de 1997.
Ler do mesmo autor, neste blog: Incêndio; Vigílias-I
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