Sinto vergonha de mim
por ter sido educador de parte desse povo,
por ter batalhado sempre pela justiça,
por compactuar com a honestidade,
por primar pela verdade
e por ver este povo já chamado varonil enveredar pelo caminho da desonra.
Sinto vergonha de mim por ter feito parte de uma era que lutou pela democracia,
pela liberdade de ser e ter que entregar aos meus filhos,
simples e abominavelmente,
a derrota das virtudes pelos vícios,
a ausência da sensatez no julgamento da verdade,
a negligencia com a família, célula-mater da sociedade,
a demasiada preocupação com o "eu" feliz a qualquer custo,
buscando a tal "felicidade" em caminhos eivados de desrespeito para com o seu próximo.
Tenho vergonha de mim pela passividade em ouvir,
sem despejar meu verbo,
a tantas desculpas ditadas pelo orgulho e vaidade,
a tanta falta de humildade para reconhecer um erro cometido,
a tantos "floreios" para justificar atos criminosos,
a tanta relutância em esquecer a antiga posição de sempre "contestar",
voltar atrás e mudar o futuro.
Tenho vergonha de mim pois faço parte de um povo que não reconheço,
enveredando por caminhos que não quero percorrer...
Tenho vergonha da minha impotência,
da minha falta de garra,
das minhas desilusões e do meu cansaço.
Não tenho para onde ir pois amo este meu chão,
vibro ao ouvir meu Hino
e jamais usei a minha Bandeira para enxugar o meu suor
ou enrolar meu corpo na pecaminosa manifestação de nacionalidade.
Ao lado da vergonha de mim, tenho tanta pena de ti, povo brasileiro!
De tanto ver triunfar as nulidades,
de tanto ver prosperar a desonra,
de tanto ver crescer a injustiça,
de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus,
o homem chega a desanimar da virtude,
a rir-se da honra,
a ter vergonha de ser honesto.
Ruy Barbosa, nasceu na Baía, em 5 de Novembro de 1848 e faleceu em Petrópolis a 1 de Março de 1923. O maior escritor, o mais eloquente orador e o mais eminente jurisconsulto brasileiro. Formou-se em Direito em S. Paulo em 1870, com 21 anos. Foi um dos fundadores da Republica Brasileira, em cujo primeiro ministério ocupou a pasta da fazenda. Representou como senador o seu estado natal durante mais de 30 anos. Pertenceu à Academia Brasileira de Letras, que por morte do seu primeiro presdiente (Machado de Assis) o elegfeu para aquele cargo, que ocupou por bastantes anos. Foi um dos mestres da língua, e o seu estilo esplendoroso e vernáculo é por vezes comparável ao de Alexandre Herculano. Escreveu grande número de obras literárias e foi um orador de fino quilate, considerado o mais alto expoente da mentalidade brasileira contemporânea.
Poema recolhido na net (daqui)
(Nota biográfica extraída de Antologia Portuguesa e Brasileira, Evaristo Pontes dos Santos, Porto 1974)
Desafio:
Veja-se o que acontece nos dias actuais na sociedade portuguesa e confronte-se com este poema...
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PS: Nota do Webmaster: Inicialmente atribuí a autoria do poema a Rui Barbosa, mas a minha amiga Betty num e-mail muito gentil que tomo a liberdade de transcrever abaixo (certamente ela me autoriza) dá-me conta da necessidade de corrigir a autoria uma vez que é de Cleide Canton, confirmadamente.
Então faço o seguinte: deixo aqui o poema corrigindo o autor no título do post (pedindo desculpa a todos os leitores e aos autores citados) e mantenho a biografia de Rui Barbosa, por ocasião da efeméride do seu nascimento.
Reitero, entretanto os agradecimentos à amiga Betty
«Caro Fernando,
Acabo de ler no Google Reader seu post "Tenho vergonha de mim". É um poema contundente face à realidade brasileira, mas não podia imaginar que também se aplica a Portugal.
O motivo de estar lhe escrevendo é informar que tal poema é de autoria da professora brasileira Cleide Canton e não de Rui Barbosa. Faz tempo que rola na rede esse equívoco, não se sabe como começou, e precisamos agir no sentido de corrigi-lo, conto com a sua colaboração.
Abaixo o link de um vídeo com o poema declamado por Rolando Boldrin, que também fala sobre a autoria. Tenho certeza que você irá gostar.
http://www.youtube.com/watch?v=ERTmvOll87s
Beijinho, e muita poesia na sua vida.
Betty»
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