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2010-07-18

Salada Primitiva - Conde de Monsaraz

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Leitor, se amas o campo e a natureza,
se és bucólico e rude
e, na tua rudeza,
só respeitas a força e a saúde;
se às convenções da sociedade, opões
o desdém pelas normas e preceitos
que trazem pelo mundo contrafeitos
cérebros e corações;
se detestas o luxo e se preferes,
francamente, às senhoras as mulheres,
e tens, como um pagão da velha Esparta,
pulso rijo, alma ingénua e pança farta;
se és algo panteísta e tens bem vivo
esse afagado ideal
do retrocesso ao homem primitivo
que nos tempos pré-históricos vivia
muito perto do lobo e do chacal;
se um ligeiro perfume da poesia
que se ergue das campinas,
na paz, no encanto das manhãs tranquilas,
te dilata as narinas,
e enche de gozo as húmidas pupilas, -
leitor amigo, se és assim, vou dar-te,
«se a tanto me ajudar o engenho e arte»
uma antiga receita
que os rústicos instintos te deleita
e frémitos te põe na grenha hirsuta.
Leitor amigo, escuta:

Vai, como o padre cura, cabisbaixo,
pelos vergais da tua horta abaixo
quando no mês d'abril, de manhã cedo,
a luz cai sobre as franças do arvoredo,
para sorver aqueles bons orvalhos
chorados pelos olhos das estrelas
no coração dos galhos;
Passarás pelas couves repolhudas, -
cuidado, não te iludas,
nem te importes com elas -
vai andando...
Mas logo que passes
ao campo das alfaces,
pára, leitor amigo,
e faz o que te digo:
escolhe de entre todas a mais bela,
folhas finas, tenrinhas e viçosas
como as folhas das rosas,
e enchendo uma gamela
d´água pura e corrente,
lava-a, refresca-a cuidadosamente.
Logo em seguida (e é o principal)
que a tua mão, sem hesitar, lhe deite
um fiozinho de azeite,
vinagre forte e sal,
e ouvindo em roda o lúbrico sussurro
da vida ansiosa a propagar-se, que erra
em vibrações no ar,
atira-te de bruços sobre a terra
e come-a devagar,
filosoficamente... como um burro!


in Poemas Portugueses - Antologia da Poesia Portuguesa do Séc. XIII ao Séc. XXI, Selecção, organização, introdução e notas Jorge Reis-Sá e Rui Lage, Porto Editora

António de Macedo Papança, Conde de Monsaraz (nasceu em Reguengos de Monsaraz a 18 de Julho de 1852 — m. em Lisboa a 17 de Julho de 1913)

Ler do mesmo autor:
Tristezas mortais
Os Bois
Moças de Bencatel
No Monte

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