Eu e tu, ante a noite e o amplo desdobramento
do mar, fero a estourar de encontro à rocha nua...
Um símbolo descubro aqui, neste momento:
esta rocha, este mar... a minha vida e a tua.
O mar vem, o mar vai, nele há o gesto violento
de quem maltrata e, após, se arrepende e recua.
Como compreendo bem da rocha o sentimento!
São muito iguais, por certo, a minha mágoa e a sua.
Contemplo neste quadro a nossa triste vida;
tu és esse dúbio mar que, na sua inconsciência,
tem carinhos de amor e fúrias de demência!
Eu sou a dor estanque, a dor empedernida,
sou a rocha a emergir de um côncavo de areia,
imóvel, muda, isenta e alheia ao mar, alheia.
Soneto extraído de «A Circulatura do Quadrado - Alguns dos Mais Belos Sonetos de Poetas cuja Mátria é a Língua Portuguesa. Introdução, coordenação e notas de António Ruivo Mouzinho. Edições Unicepe - Cooperativa Livreira de Estudantes do Porto, 2004.
Gilka da Costa Melo Machado (nasceu no Rio de Janeiro a 12 de Março de 1893 e morreu em 1980).
Ler ainda da mesma autoria, neste blog: Esboço
Sem comentários:
Enviar um comentário