Nem sequer podia
ouvir falar no teu nome.
E se fixava o teu vulto,
Irritava-me, sofria
Por não poder insultar-te...
Até que um dia,
-Foi no Inverno, anoitecia.
Chuviscava; - uma chuvinha
Impertinente e gelada
Como sorriso de ironia
Numa boca desejada.
Já não sei o que disseste
Nem me lembro do que disse...
A chuva continuava,
Atravessámos um jardim.
E à luz fosca
Dum candeeiro,
Segredaste ao meu ouvido:
Quero entregar-te o meu corpo.
E eu acrescentei: Pois sim.
A chuva tornou-se densa.
Eu ia todo encharcado.
Por fim, chegámos; entrei...
Um marinheiro descia
Ajeitando a camisola
E compondo os caracóis.
Era uma casa vulgar,
Aonde o amor
- Oculto a todos os sóis,
Se vendia a troco da "real mola".
Arrependi-me. Blasfemei...
Mas quando abandonei os teus braços
Senti que tinha mais alma!
E nunca mais te encontrei!
in Os poemas da minha vida - Mário Soares, Público
António Tomaz Botto (nasceu em Concavada, Abrantes a 17 de Agosto de 1897 e morreu no Rio de Janeiro a 17 de Março de 1959)
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