Fui ao mar buscar sardinha
E encontrei uma sereia
«Agora», pensei, é «minha.
Virei mais logo à tardinha
Quando, nos longes da areia,
A negra sombra caminha.»
Mas rompeu a lua cheia
E todos viram que eu vinha...
«Adeus», disse eu. E larguei-a.
Fui ao trigal já maduro
E achei um lindo botão
De papoila, ardente e puro.
«É meu!» declarei então.
«Beijá-lo-ei pelo escuro
nesta vasta solidão.»
Mas vieram, de roldão,
Segadores de olhar duro
Com suas foices na mão.
Fui pelas fragas do monte
E vi a água corrente.
«Hei-de beber desta fonte»,
Disse eu. «É tão transparente!
Oxalá não se amedronte.
Não há nada aqui defronte,
Ninguém nos vê, certamente.»
Mas que quereis que vos conte?
Fui-me embora. Vinha gente.
João Cabral do Nascimento (n. no Funchal, ilha da Madeira em 22 de Março de 1897; m. em 2 de Março de 1978 em Lisboa)
Ler do mesmo autor, neste blog:
Vão as Águas Nostálgicas do Rio;
Brasil
Adeus
Canção
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