Hoje, dia de me concretizar na corda tensa
Do animal com cio que resuma
A minha Eva quebrada ao espelho da evidencia
De para além do espelho não haver Eva nenhuma;
Hoje dia de escrever uma carta como um suicida
Que por sê-lo de facto nunca se chega a matar
E lê-la depois como uma novela muito aborrecida
Onde ninguém tem uma razão para se suicidar;
Hoje, dia de esclarecer este inútil mistério
Duma personalidade com a polícia à vista,
Deixando como um cartão-de-visita em qualquer ministério
A bomba da minha humanidade poética anarquista;
Hoje, dia da tua morte, sejas tu quem fores
Que morreste para que da guerra anónima que travámos
Ficasse como um arco-íris das nossas sete dores
Este poema, onda em que abraçados naufragámos;
Hoje, dia da Maria da Estrela ter toda a razão
Quando me contava que havia uma ilha como um girassol
Que as feiticeiras faziam girar como um pião
Debaixo do mar em que eu me enrolava como num lençol;
Hoje, dia de haver revolução
E todos em casa à espera da primeira granada
Que transformasse este está para ser uma grande nação
No herói que não quer ser nação nem ser nada;
Hoje, dia de mudar de raça – trocar a branca pela violeta?
E sabendo o que sei de mim sendo doutra cor
Seres príncipe que não importa de que planeta
Traz ao círculo da minha insónia a quadratura do teu amor.
in Cem Portugueses no Feminino, selecção, organização e introdução de José Fanha e José Jorge Letria, Terramar
Natália Correia (n. na Ilha de S. Miguel, Açores a 13 Set 1923; m. em Lisboa a 16 Mar 1993)
1 comentário:
grandepoeta!
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