- Tou…
- Tá, Zé? Ainda bem que te encontro…
- Eh pá! Já não te ouvia há muito tempo… A família está bem?
- Ó pá, deixa lá a família que temos coisas mais importantes a conversar. Preciso dos teus serviços. Quero que dês uma palavrinha ao chefe do armazém lá da tua empresa para que ajude um amigo meu…
- Puxa… Não podes pedir-me isso, pá! Um presidente não pede favores ao encarregado do armazém…
- Mas eu não estou a falar para o presidente! Estou a falar para o meu amigo Zé…
- Pois… Mas o Zé e o presidente são duas coisas perfeitamente diferentes. Um não pode saber dos negócios do outro…
- Tás-me a enrolar pá! Mesmo que seja assim, achas que o Zé não pode dar uma palavrinha ao presidente?
- Desculpa, Mando. Gosto muito de ti, mas não faço concessões desse género. Eu separo perfeitamente as águas. O Zé não sabe o que o presidente faz e vice-versa. Senão, caía aqui numa confusão do caraças…
- Ó pá! Mas é para aquele amigo nosso, o Claudino… Sabes, aquele que, quando precisaste de alugar casa, adiantou o dinheiro para o pagamento dos dois meses adiantados de renda… Tu agora já não precisas, mas na altura fez um jeitão…
- Ah… A esse não podemos dizer que não, não é?... Qual é o favor que ele quer, pá?
- Bom... É que ele negoceia em anilhas enferrujadas. E eu sei que tu tens aí na empresa muitas anilhas enferrujadas para vender… E o Claudino queria comprá-las… Mas queria isso num preço jeitoso…
- Ó Mando! Isso não é pedido que se faça!... Metes-me num sarilho do caraças… Se isto se sabe, quem fica anilhado sou eu…
- Ó Zé… Tu tens muita imaginação… Estou seguro de que encontras uma solução…
- Não é fácil, pá. Mas vamos fazer assim, então. Tu telefonas-me logo à noite, para casa, e fazes-me o mesmo pedido. Assim, protegemos o presidente que sou, que fica a não saber nada do assunto. E, como não sabe nada, amanhã pode dar a ordem para venda das anilhas. E até pode fazer isso dando à ordem um carácter de urgência, para não haver tempo para essa porcaria dos concursos públicos, que só atrasam o nosso desenvolvimento. Entretanto, eu logo digo-te para dizeres ao Claudino que apresente amanhã mesmo uma proposta para comprar as anilhas. Só não o digo agora, porque o presidente não pode fazer isso. Portanto tu só lhe podes dizer amanhã, senão isto fica escondido com o rabo de fora. Isso, combinado com a urgência com que o presidente vai pedir para a venda das anilhas, acho que vai solucionar o problema.
- Eu já sabia que tu encontravas uma solução, Zé. Obrigado, pá…
- Mas, já agora, diz-me uma coisa, pá… Que é que tu ganhas com isso, Mando?..
- Oh!... Nada pá. No máximo, o Claudino é bem capaz de me mandar um cabaz de sardinhas lá para a casa. E tu sabes como as sardinhas da zona dele são boas… Se ele fizer isso, pá, faço uma sardinhada lá em casa e convido-te… Ah!.. Ó Zé, se eu fizer a sardinhada, pá, quem é que eu convido?.. O Zé ou o presidente?..
in (extracto) da crónica de A. Magalhães Pinto, Poliscópio in Vida Económica de 4-11-2009. Artigo completo aqui
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