Eu não tenho vistas largas
Nem grande sabedoria
Mas dão-me as horas amargas
Lições de Filosofia.
Porque será que nós temos
na frente, aos montes, aos molhos,
tantas coisas que não vemos
nem mesmo perto dos olhos?
Vós que lá do vosso império
prometeis um mundo novo,
calai-vos, que pode o povo
qu'rer um mundo novo a sério.
Sei que pareço um ladrão...
mas há muitos que eu conheço
que, não parecendo o que são,
são aquilo que eu pareço.
Eu não sei porque razão
Certos homens, a meu ver,
Quanto mais pequenos são
Maiores querem parecer.
Não é só na grande terra
que os poetas cantam bem:
os rouxinóis são da serra
e cantam como ninguém
Não sou esperto nem bruto,
nem bem nem mal educado:
sou simplesmente o produto
do meio em que fui criado.
Que importa perder a vida
na luta contra a traição
se a razão mesmo vencida
não deixa de ser razão
Uma mosca sem valor
Poisa c'o a mesma alegria
na careca de um doutor
como em qualquer porcaria.
P'ra mentira ser segura
e atingir profundidade
tem de trazer à mistura
qualquer coisa de verdade.
Sem que discurso eu pedisse,
ele falou, e eu escutei.
Gostei do que ele não disse;
do que disse não gostei.
Mentiu com habilidade,
fez quantas mentiras quis,
Agora fala verdade,
ninguém crê no que ele diz.
Embora os meus olhos sejam,
os mais pequenos do Mundo
O que importa é que eles vejam
O que os homens são no fundo.
Quando os Homens se convençam
Que à força nada se faz,
Serão felizes os que pensam
Num mundo de amor e paz.
Tu, que tanto prometeste
enquanto nada podias,
hoje que podes - esqueceste
tudo o que prometias...
Muito contra o meu desejo,
sem lhe querer dizer porquê,
finjo sempre que não vejo
quem finge que me não vê...
Quantas sedas aí vão,
quantos brancos colarinhos,
são pedacinhos de pão
roubados aos pobrezinhos!
À guerra não ligues meia,
Porque alguns grandes da terra,
Vendo a guerra em terra alheia,
Não querem que acabe a guerra.
Da guerra os grandes culpados
Que espalham a dor da terra,
São os menos acusados
Como culpados da guerra.
Por que a vida me empurrou
caí na lama, e então...
tomei-lhe a cor, mas não sou
a lama que muitos são.
Que importa perder a vida
em luta contra a traição,
se a Razão mesmo vencida,
não deixa de ser Razão
São parvos, não rias deles,
deixa-os ser, que não são sós:
Às vezes rimos daqueles,
que valem mais do que nós.
Julgando um dever cumprir,
Sem descer no meu critério,
Digo verdades a rir
Aos que me mentem a sério!
Há luta por mil doutrinas.
Se querem que o mundo ande,
Façam das mil pequeninas
Uma só doutrina grande.
Sei que pareço um ladrão...
mas há muitos que eu conheço
que, sem parecer o que são,
são aquilo que eu pareço.
Morre o rico, dobram sinos;
Morre o pobre, não há dobres...
Que Deus é esse dos padres,
Que não faz caso dos pobres?
O mundo só pode ser
melhor do que até aqui,
quando consigas fazer
mais p'los outros que por tí!
Veste bem, já reparaste?
mas ele próprio ignora
que, por dentro, é um contraste
com o que mostra por fora.
Nas quadras que a gente vê,
quase sempre o mais bonito
está guardado pr'a quem lê
o que lá não está escrito.
Vemos gente bem vestida,
No aspecto desassombrada;
São tudo ilusões da vida,
Tudo é miséria dourada.
Os novos que se envaidecem
Pelo muito que querem ser
São frutos bons que apodrecem
Mal começam a nascer.
Para triunfar depressa
cala contigo o que vejas
finge que não te interessa
aquilo que mais desejas.
Os que bons conselhos dão
ás vezes fazem-me rir
por ver que eles mesmos, são
incapazes de os seguir.
António Fernandes Aleixo (Vila Real de Santo António, 18 de Fevereiro de 1899 — Loulé, 16 de Novembro de 1949)
Sem comentários:
Enviar um comentário