Este poema há tanto tempo morto
sob o meu chão, renasce como um grito
de labareda exausta, água secreta,
e no papel projeta o seu caminho.
O asilo do mar procura o rio
que cedo abriu a porta de sua casa
ou sepulcro onde estava repartido
e no rumo da foz cava uma estrada.
Que rios passam sob o chão do poema
que no papel escorre como as águas,
como as águas é fonte e, como as águas,
é o eu nele inventamos e mais nada?
A mesma força que impulsiona o poema
abriu a rua aos rios e os arrasta
pra onde vão rimar sua discreta
língua de signos em estâncias de algas.
Que inventamos no poema? — A manhã clara
de frágil transparência, o amor perdido,
aqueduto de areia e de palavras,
coisa móvel e morta como um rio.
Inventamos o tempo que dá às rosas
l´espace d´un matin, a suicida
amante do troiano, a angústia oca,
o never more, a solidão vazia.
No mar renasce o poema em arco-íris
ou nuvem que alimenta o cio eterno
da terra, que gerou no doce inferno
do ventre escuro o girassol e os rios.
Eterno ou transeterno, ardente ou frio,
é transitório sol e deixa a marca
na inconstância das águas este rio
que a si mesmo cavalga na jornada.
Domingos Carvalho da Silva (nasceu em Pedroso, Vila Nova de Gaia a 21 de Junho de 1915, faleceu em 26 de Abril de 2003)
Ler do mesmo autor A Fénix Refractária
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