Fui só eu que estraguei as alvoradas
- presas suaves nos plúmbeos céus!,
e dei água aos ribeiros da minha alma
e fiz preces de amor e sangue, a Deus...
Fui só eu que, sabendo da tormenta
que o vento da nortada me dizia,
puz meus lábios no sonho incompleto
e rasguei o meu corpo na poesia.
Vieram dar-me abraços e contentes
viram que me afundava sem remédio
- nem um grito subia do horizonte
há mil anos deitado sobre o tédio!
Quando chamaram por mim do imenso rio
que a noite veste para se entreter
vi que os barcos andavam cheios de almas
buscando sonhos para não sofrer.
Cantavam doidas como a dor e a morte
parando, a espaços, para ver montanhas
e eram luzes mordidas pelas sombras,
corajosas, infelizes - mas tamanhas!
Eu fugi de as ouvir (que ardentes vozes...)
de navegar nas mesmas ansiedades
e fui sozinho semear as luas
e a natureza inculta das idades.
Parti, negando à vida o seu direito,
recalcando os meus sonhos e os meus medos...
sei agora que matei o meu destino
e quebrei o futuro nos meus dedos.
Pomba branca, pomba branca
Já perdi o teu voar
Daquela terra distante
Toda coberta pelo mar.
Fui criança e andei descalço
Porque a terra me aquecia
E eram longos os meus olhos
Quando a noite adormecia.
Vinham barcos dos países
E eu sorria de os sonhar
Traziam roupas felizes
As crianças dos países
Nesses barcos a chegar.
Pomba branca, pomba branca
Já perdi o teu voar
Daquela terra distante
Toda coberta pelo mar.
Depois mais tarde ao perder-me
Por ruas de outras cidades
Cantei meu amor ao vento
Porque sentia saudades
Saudades do meu lugar
Do primeiro amor da vida
Desse instante a aproximar
Dos campos, do meu lugar
À chegada e à partida
Vasco de Lima Couto (nasceu no Porto em 26 de Novembro de 1923 - morreu em Lisboa a 10 de Março de 1980)
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