Ninguém contempla as cousas, admirado.
Dir-se-á que tudo é simples e vulgar...
E se olho a flor, a estrela, o céu doirado,
Que infinda comoção me faz sonhar!
É tudo para mim extraordinário!
Uma pedra é fantástica! Alto monte
Terra viva, a sangrar como um Calvário
E branco espectro, ao luar, a minha fonte!
É tudo luz e voz! Tudo me fala!
Ouço lamúrias de almas no arvoredo,
Quando a tarde, tão lívida, se cala,
Porque adivinha a noite e lhe tem medo.
Não posso abrir os olhos sem abrir
Meu coração à dor e á alegria.
Cada cousa nos sabe transmitir
Uma estranha e quimérica harmonia!
É bem certo que tu, meu coração,
Participas de toda a Natureza.
Tens montanhas na tua solidão
E crepúsculos negros de tristeza!
As cousas que me cercam, silenciosas,
São almas, a chorar, que me procuram.
Quantas vagas palavras misteriosas,
Neste ar que aspiro, trémulas, murmuram!
Vozes de encanto vêm aos meus ouvidos,
Beijam os meus olhos sombras de mistério.
Sinto que perco, às vezes, os sentidos
E que vou flutuar num rio aéreo...
Sinto-me sonho, aspiração, saudade,
E lágrima voando e alada cruz...
E rasteirinha sombra de humildade,
Que é, para Deus, a verdadeira luz.
Teixeira de Pascoaes (Joaquim Pereira Teixeira de Vasconcelos) nasceu em 2 Nov 1877 em Amarante; m. em 14 Dez. 1952.
Ler também do mesmo autor: Elegia do Amor; A sombra do Tâmega; Canção da Névoa
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