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2008-11-13

O Primeiro Beijo - Pinheiro Chagas


Primeiro beijo, perfumado, ardente
Primeira estrofe da gentil canção,
que, em doidas horas de prazer fervente,
a flor dos lábios vem dizer «paixão!»

Ténue murmúrio, a suspirar carícias!
Aéreo sopro respirando ardor!
meigo prefácio dessas mil delícias
do gosto etéreo dum primeiro amor!

Beijar a furto uma boquinha airosa,
fugir, ceder à tentação fatal,
bem como a abelha a voltear medrosa
por entre as rosas do gentil rosal,

que poisa, e suga a perfumada essência
da flor tremente dum gozar sem sim;
roubar assim, d'almo prazer na ardência
a puros lábios virginal carmim!

É sonho louco de ventura e enleio!
É ver nas trevas o esplendor do céu!
Da casta virgem pudibundo seio
palpita, rasga da inocência o véu!

Os lábios tremem da gentil donzela,
refogem, voltam de delírio a arfar!
Oh! nessas horas amorosa estrela
inunda a vida de fulgor sem par!

Depois extingue-se a visão brilhante;
voltam as trevas, quando morre a luz,
finda o romance da existência amante
da fria campa em solitária cruz!

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E a noite sempre serena!
Pálido e meigo o luar!
e a brisa dizendo amores,
nas folhas a doidejar!

Eu estou vendo daqui a fronte austera,
dum austero censor, franzir-se irada;
e oiço-o já bradar com voz severa:
«a geração actual está depravada.»
E talvez (se honra tal eu merecera)
mande os versos queimar pela criada!

Etérea emanação da Divindade!
Sonho encantado dum primeiro amor!
Tímida flor, que o sol da mocidade
inunda com seu plácido fulgor!
Minha ingénua visão, dize quem há-de
manchar-te as vestes de brilhante alvor?

Quem se não curva ao poderoso império
dum meigo olhar, fulgente, enamorado?
O amor então é divinal mistério,
é puro incenso, ardendo resguardado
no coração, turíbulo sagrado,
urna singela dum perfume etéreo!

Um beijo ardente, que traduz ternura,
é santo, é puro, porque é santo o ardor;
em torno à virgem, num primeiro amor,
respira-se um ambiente de candura,
onde paira sorrindo a imagem pura
do meigo arcanjo do infantil pudor!

A impureza é na orgia, é no devasso
que escarnece do amor e da virtude,
que nos prega moral no tom mais rude,
e entra no lupanar, trémulo o passo,
a prostituir, em repugnante abraço,
a casta flor da etérea juventude!

Vergonha sobre o ímpio, que despreza
mimosas afeições do coração,
gentil grinalda de infantil simpleza,
de puras flores virginal festão,
e vai, cingindo a c'rôa da impureza,
sentar – se no festim da corrupção.

Vergonha sobre o hipócrita, o descrente,
Tartufo, que se envolve em castos véus
ao nome de paixão, louca, fremente!
O Amor é santo, porque vem de Deus,
e um beijo louco, apaixonado, ardente,
faz sorrir de prazer anjos nos céus!


in Poema da Mocidade ver poema completo em formato pdf

Manuel Joaquim Pinheiro Chagas (n. em Lisboa a 13 Nov. 1842; m. em Lisboa a 8 de Abril de 1895).

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