Junto do manso Tejo, que corria
para o mar, que nos braços o esperava,
jaz um pastor, que no semblante dava
mostras da dor que o coração cobria.
Falava o gesto quanto n’alma havia,
que, quiçá por ser muito, ela o calava;
mas, vencido do mal que o atormentava,
sem licença do mal, assim dizia:
– Corre alegre e soberbo, ó doce Tejo,
pois vives sem fortuna de que esperes
que encaminhe teu passo a teu desejo.
Vais e tornas, e irás como vieres.
Ditoso tu, que vês o que eu não vejo!
Ditoso tu, que vais adonde queres!
D. FRANCISCO MANUEL DE MELO nasceu em Lisboa a 23 de Novembro de 1608 e morreu em Alcântara, Lisboa a 13 de Outubro de 1666. Como oficial do exército espanhol, combateu na Flandres e na Catalunha. Conheceu a prisão no país vizinho em 1637 e em 1640 (durante 4 meses). Regressado a Portugal com a restauração da independência, logo no ano seguinte exerceu actividade diplomática em França, Inglaterra e Holanda. Mas também na sua pátria, por motivos ainda hoje não completamente esclarecidos, conheceu o cárcere durante muitos anos (1644 a 1655), na torre de Belém e no castelo de São Jorge, após o que foi desterrado para o Brasil, só tornando à metrópole em 1658. Graças à amizade do Conde de Castelo Melhor, voltou à actividade diplomática (1662), em Paris, Londres e Roma. Polígrafo bilingue, foi um moralista conservador. O seu soneto faz parte das «Obras Métricas».
Soneto e nota biobibliográfica acima extraídos de «A Circulatura do Quadrado - Alguns dos Mais Belos Sonetos de Poetas cuja Mátria é a Língua Portuguesa. Introdução, coordenação e notas de António Ruivo Mouzinho. Edições Unicepe - Cooperativa Livreira de Estudantes do Porto, 2004.
Sem comentários:
Enviar um comentário