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2008-03-17

Homem, que vens de humanas desventuras - António Botto

"Paisagem de Sèvres"; óleo sobre tela 54 x 66 cm
Sílvio Pinto n. no Rio de Janeiro a 17 de março de 1918
(m. Rio de Janeiro 3 de Abril de 1997)

Homem, que vens de humanas desventuras,
que te prendes à vida e te enamoras,
que tudo sabes e que tudo ignoras,
vencido herói de todas as loucuras,

que te debruças pálido nas horas
das tuas infinitas amarguras,
e na ambição das coisas mais impuras
és grande simplesmente quando choras,

que prometes cumprir e que te esqueces,
que te dás à virtude e ao pecado,
que te exaltas e cantas e aborreces,

arquitecto do sonho e da ilusão,
ridículo fantoche articulado
− eu sou teu camarada e teu irmão.


António Tomaz Botto nasceu em Concavada (Abrantes) a 17 de Agosto de 1897 e morreu no Rio de Janeiro a 17 de Março de 1959, após vários dias em estado de coma, devido a atropelamento por uma viatura automóvel. Poeta maldito, a publicação das «Canções», em 1921, constituiu um tal escândalo que o livro foi apreendido no ano seguinte, por ordem do Governo. Eram poemas confessionais, de um erotismo anómalo exacerbado, que faziam a exaltação da beleza masculina. Homossexual assumido, o seu autor foi expulso em 1942 do funcionalismo público e, em 1947, abalou para o Brasil. Muito admirado por Fernando Pessoa, José Régio e outros, os seus versos juntavam à linearidade verbal a riqueza rítmica. Eram um misto de esteticismo e populismo, narcisismo e megalomania. O seu erotismo era triste, de tom elegíaco. O poeta foi também contista e dramaturgo, abordou o realismo social (Alfama e o fado), mas a decadência final era mais que evidente.

Soneto e Nota biobliográfica extraídos de «A Circulatura do Quadrado - Alguns dos Mais Belos Sonetos de Poetas cuja Mátria É a Língua Portuguesa. Introdução, coordenação e notas de António Ruivo Mouzinho. Edições Unicepe - Cooperativa Livreira de Estudantes do Porto, 2004).

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