Afinal o que importa não é a literatura
nem a crítica de arte nem a câmara escura
Afinal o que importa não é bem o negócio
nem o ter dinheiro ao lado de ter horas de ócio
Afinal o que importa não é ser novo e galante
— ele há tanta maneira de compor uma estante!
Afinal o que importa é não ter medo: fechar os olhos frente ao
precipício
e cair verticalmente no vício
Não é verdade, rapaz? E amanhã há bola
antes de haver cinema madame blanche e parola
Que afinal o que importa não é haver gente com fome
Porque assim como assim ainda há muita gente que come
Que afinal o que importa é não ter medo
de chamar o gerente e dizer muito alto ao pé de muita gente:
Gerente! Este leite está azedo!
Que afinal o que importa é pôr ao alto a gola do peludo
à saída da pastelaria, e lá fora — ah, lá fora! — rir de tudo
No riso admirável de quem sabe e gosta
ter lavados e muitos dentes brancos à mostra
Mário Cesariny de Vasconcelos (n. em Lisboa a 9 de Agosto de 1923; m. em Lisboa a 26 de Novembro de 2006).
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