A enguia, a sereia
dos mares frios que abandona o Báltico
para alcançar os nossos litorais,
os nossos estuários, os rios
que remonta pelo fundo da corrente adversa
de braço em braço, depois
de cabelo em cabelo, adelgaçando,
cada vez mais dentro, sempre
mais no cioração da pedra, insinuando-se
entre o borbulhar do lodo até que um dia
a luz rompendo dos castanheiros
enche-a de chispas nos charcos de água morta,
das valas baixando
pelas escarpas dos Apeninos à Romanha;
a enguia, archote, látego,
flecha de Amor em terra
que só os nossos barrancos ou os secos riachos pirenaicos reconduzem
a paraísos de fecundação;
alma verde que procura
vida lá onde apenas
o andor morde a secura,
a cintilação que diz:
tudo começa quando já parece
carbonizar-se, tronco sepultado;
íris breve, gémea
daquela que engastam tuas pestanas
e fazes brilhar intacta entre os filhos
do homem, imersos no teu lodo - podes tu
não crer a tua irmã?
Trad. Eugénio de Andrade
in Rosa do Mundo - 2001 Poemas para o Futuro - Assírio & Alvim
Eugenio Montale (n. em Génova, Italia a 12 Outubro de 1896; m. em Milão a 12 Setembro 1981)
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