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2005-09-20

O Sono do João - António Nobre

O João dorme... (Ó Maria,
Diz àquela cotovia
Que fale mais devagar:
Não vá o João acordar...)

Tem só um palmo de altura,
E meio metro de largura:
Para o amigo orangotango,
O João seria... um morango!
Podia engoli-lo um leão
Quando nasce! As pombas são
Um poucochinho maiores...
Mas os astros são menores.

O João dorme... Que regalo!
Deixá-lo dormir, deixá-lo!
Calai-vos, águas do moinho!
Ó mar, fala mais baixinho!...
E tu, Mãe! E tu, Maria!
Pede àquela cotovia
Que fale mais devagar:
Não vá o João acordar...

O João dorme o Inocente!
Dorme, dorme eternamente
Teu calmo sono profundo!
Não acordes para o Mundo,
Pode levar-te a maré:
Tu mal sabes o que isto é...

Ó mãe canta-lhe a canção,
Os versos do teu Irmão:
"Na vida que a Dor povoa,
Há só uma coisa boa,
Que é dormir, dormir, dormir...
Tudo vai sem se sentir."

Deixa-o dormir, até ser
Um velhinho ... até morrer!

E tu vê-lo-ás crescendo
A teu lado (estou vendo-o
João! que rapaz tão lindo!)
Mas sempre sempre dormindo...

Depois, um dia virá
Que (dormindo) passará
do berço, onde agora dorme,
Para outro grande, enorme:
E as pombas que eram maiores
Que João... ficarão menores

Mas para isso ó Maria!
Diz aquela cotovia
Que fale mais devagar:
Não vá o João acordar...

E os anos irão passando.

Depois já velhinho, quando
Serás velhinha também
Perder a côr que, hoje, tem,
Perder as cores vermelhas
E for cheinho de engelhas,
Morrerá sem o sentir,
Isto é deixa de dormir:
Acorda e regressa ao seio
De Deus, que é d'onde ele veio...

Mas para isso Ó Maria!
Pede àquela cotovia
Que fale mais devagar:

Não vá o João acordar...


António Nobre, Só

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