Páginas

2005-09-17

Canção perdida - Guerra Junqueiro

Hálitos de lilás, de violeta e d’opala,
Roxas macerações de dor e d’agonia,
O campo, anoitecendo e adormecendo, exala...

Triste, canta uma voz na síncope do dia:

Alguém de mim se não lembra
Nas terras d’além do mar...
Ó Morte, dava-te a vida,
Se tu lha fosses levar!...

Ó Morte, dava-te a vida,
Se tu lha fosses levar!...

Com o beijo do Sol na face cadavérica,
Beijo que a morte esvai em palidez algente,
Eis a Lua a boiar sonâmbula e quimérica...

Doce, canta uma voz melancolicamente:

O meu amor escondi-o
Numa cova ao pé do mar...
Morre o amor, vive a saudade...
Morre o Sol, olha o luar!...

Morre o amor, vive a saudade...
Morre o Sol, olha o luar!...

Latescente a neblina opálica flutua,
Diluindo, evaporando os montes de granito
Em colossos de sonho, extasiados de Lua...

Flébil, chora uma voz no letargo infinito:

Quem dá ais, ó rouxinol,
Lá para as bandas do mar?...
É o meu amor que na cova
Leva as noites a chorar!...

É o meu amor que na cova
Leva as noites a chorar!...

A Lua enorme, a Lua argêntea, a Lua calma,
Imponderalizou a natureza inteira,
Descondensou-a em fluido e embebeceu-a em alma...

Triste expira uma voz na canção derradeira:

Ó meu amor, dorme, dorme
Na areia fina do mar.
Que em antes da estrela d’alva
Contigo me irei deitar!...

Que em antes da estrela d’alva
Contigo me irei deitar!...


Abílio Guerra Junqueiro (n. Freixo de Espada à Cinta 17 de Setembro de 1850 ; m. Lisboa a 7 de Julho de 1923).

Sem comentários:

Enviar um comentário