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2005-07-12

Posso escrever os versos...

101 anos do nascimento de Pablo Neruda

Poema XX

Posso escrever os versos mais tristes esta noite.

Escrever, por exemplo «A noite está estrelada,
e tiritam, azuis, os astros lá ao longe.»

O vento da noite gira no céu e canta.

Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Eu amei-a, e por vezes ela também me amou.

Em noites como esta tive-a eu nos meus braços.
Beijei-a tantas vezes sob o céu infinito.

Ela amou-me, por vezes eu também a amava.
Como não ter amado os seus grandes olhos fixos.

Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Pensar que não a tenho. Sentir que a perdi já.

Ouvir a noite imensa, mais imensa sem ela.
E o verso cai na alma como no pasto o orvalho.

Importa lá que o meu amor não pudesse guardá-la.
A noite está estrelada e ela não está comigo.

A mesma noite que faz branquejar as árvores.
Nós dois, os de então, já não somos os mesmos.

Já não a amo, é cverdade, mas tanto que eu a amei.
Esta voz buscava o vento para tocar-lhe o ouvido.

De outro. Será de outro. Como antes dos meus beijos.
A voz, o corpo claro. Os seus olhos infinitos.

Já não a amo, é verdade, mas talvez a ame ainda.
É tão curto o amor, tão longo o esquecimento.

Porque em noites como esta a tive nos meus braços,
a minha alma não se contenta com havê-la perdido.

Embora esta seja a última dor que ela me causa,
e estes sejam os últimos versos que lhe escrevo.

Pablo Neruda, traduzido para português
in "Vinte poemas de amor e uma canção inesperada"
Publicações Dom Quixote

1 comentário:

Anónimo disse...

Poema belissimo de um dos maiores poetas mundiais de sempre.
anames@mail.com

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