I. 70
O amor é uma parábola, a instante tradução
do real em metáfora; no entanto, não importa
se a aparição que se desvela quando a porta
se escancara entre os mundos, é uma alucinação
ou uma sombra tangível: o ser é uma porção
incerta do invisível e o olho não suporta,
muito menos retém-no, o impacto da visão;
o olhar humano dói mais fundo quando corta
a escuridão ao meio e penetra-a e não toca
sequer seus pirilampos, nem mesmo uma variante
da noite e seus relâmpagos: um corpo deslumbrante
pode se encher de luz primeva, mas a boca
é a entrada da treva, e o mais puro diamante
não cruza nunca o espelho nem tem valor de troca ...
in A imitação do amanhecer - Bruno Tolentino
São Paulo : Globo 2006 ISBN 85-250-4189-0
Bruno Lúcio de Carvalho Tolentino Sobrinho (Rio de Janeiro, 12 de novembro de 1940 — São Paulo, 27 de junho de 2007)
Amor, morte, poesia, política, actualidade, futebol, efemérides, solidão, paz, humor, musica...tudo e nada; Here we talk about life, love, death,
On this day in History, poetry, politics, football (soccer), solitude, peace, humour, music ... nothing and all.
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2019-06-27
2019-06-25
POEMA - Ruy Barata
Sobre o piano - rosas
entre as rosas o azul
e o azul não era azul
era vermelho.
Tocavam Bach
e era como luz que transitasse
no mistério.
Todos estavam silenciosos
e no fulgor das pupilas
envenenadas pelo medo
havia uma estranha dor de morte
prematura.
Minha mãe chegou a mim e disse: fica
meu avô me segurava do retrato,
meus netos me acenavam do futuro.
Porém eu estava sitiado
entre a fuga e a tocaia.
A nuvem carregou-me adormecido,
varei a criação,
transpus o limbo,
quando acordei,
meu pai,
já era o céu.
Do livro A linha Imaginária
Edição Norte - 1951
Ruy Guilherme Paranatinga Barata (Santarém, Pará, 25 de junho de 1920 — São Paulo, 23 de abril de 1990)
entre as rosas o azul
e o azul não era azul
era vermelho.
Tocavam Bach
e era como luz que transitasse
no mistério.
Todos estavam silenciosos
e no fulgor das pupilas
envenenadas pelo medo
havia uma estranha dor de morte
prematura.
Minha mãe chegou a mim e disse: fica
meu avô me segurava do retrato,
meus netos me acenavam do futuro.
Porém eu estava sitiado
entre a fuga e a tocaia.
A nuvem carregou-me adormecido,
varei a criação,
transpus o limbo,
quando acordei,
meu pai,
já era o céu.
Do livro A linha Imaginária
Edição Norte - 1951
Ruy Guilherme Paranatinga Barata (Santarém, Pará, 25 de junho de 1920 — São Paulo, 23 de abril de 1990)
2019-06-04
A DIFERENÇA QUE HÁ - Jorge de Sena
A diferença que há entre os estudiosos e os poetas
é que aqueles passam a vida inteira com o nariz num assunto
a ver se conseguem decifrá-lo, e estes
abrem um livro, lêem três páginas, farejam as restantes
(nem sequer todas) e sabem logo o assunto
e que os outros não conseguiram saber. Por isso é que
os estudiosos têm raiva dos poetas,
capazes de ler tudo sem ter lido nada
(e eles não leram nada tendo lido tudo).
O mal está em haver poetas que abusam do analfabetismo,
e desacreditam a gaya Scienza.
Fev. 1, 1972
VISÃO PERPETUA (1982)
Jorge Cândido de Sena (n. em Lisboa a 2 de novembro de 1919; m. em Santa Bárbara, Califórnia a 4 de junho de 1978)
é que aqueles passam a vida inteira com o nariz num assunto
a ver se conseguem decifrá-lo, e estes
abrem um livro, lêem três páginas, farejam as restantes
(nem sequer todas) e sabem logo o assunto
e que os outros não conseguiram saber. Por isso é que
os estudiosos têm raiva dos poetas,
capazes de ler tudo sem ter lido nada
(e eles não leram nada tendo lido tudo).
O mal está em haver poetas que abusam do analfabetismo,
e desacreditam a gaya Scienza.
Fev. 1, 1972
VISÃO PERPETUA (1982)
Jorge Cândido de Sena (n. em Lisboa a 2 de novembro de 1919; m. em Santa Bárbara, Califórnia a 4 de junho de 1978)