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2016-04-29

A Imagem de Vento - Nuno Júdice


para a Manuela

No princípio, desenvolveu a ideia de que o arco-íris era
uma ponte: aparecia sobre os barcos, no fim dos temporais,
e o marinheiro da gávea avistava uma mulher de cabelos
de ouro, agitados pelo vento, a atravessá-la; alguns desses
marinheiros enlouqueceram. Conheceu-os, durante os meses
em que estudou os costumes dos portos - sentavam-se à
parte, nas tabernas, e acendiam uma vela. Diziam que o brilho
da chama evocava os cabelos dourados dessa mulher; e
que o azul do álcool os fixava, como um olhar celeste.
Tentou então viver essa experiência: embarcou num velho
cargueiro e, durante dois ou três anos, percorreu os mares.
Mas nunca encontrou a deusa; nem os arco-íris formavam
o arco completo da ponte que imaginara. Também ele enlou-
queceu, e dizem que sobe ao telhado da casa, nas noites
de temporal, e grita pelo sol, a quem dá um nome de mulher;
até ficar rouco e o trazerem para o quarto. Aí, até
adormecer, murmura esse nome sem corpo, sem imagem, sem luz.

(Lira de Líquen, 1985)

Nuno Manuel Gonçalves Júdice Glória nasceu na Mexilhoeira Grande, Portimão em 29 de abril de 1949

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2016-04-28

Horas Mortas - Alberto de Oliveira

Breve momento, após comprido dia
de incómodos, de penas, de cansaço,
'inda o corpo a sentir quebrado e lasso,
posso a ti me entregar, doce Poesia!

Desta janela aberta à luz tardia
do luar em cheio a clarear o espaço,
vejo-te vir, ouço-te o leve passo
na transparência azul da noite fria.

Chegas. O ósculo teu me vivifica.
Mas é tão tarde! Rápido flutuas,
tornando logo à etérea imensidade;

e, na mesa a que me escrevo, apenas fica,
sobre o papel - rastro das asas tuas -
um verso, um pensamento, uma saudade.

in A Circulatura do Quadrado - Alguns dos Mais Belos Sonetos de Poetas cuja Mátria é a Língua Portuguesa - Edições Unicepe, 2004

Antônio Mariano Alberto de Oliveira (n. em Palmital de Saquarema (RJ) a 28 de abril de 1857; m. em Niterói (RJ) em 19 de janeiro de 1937).

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2016-04-27

sinais - Vasco Graça Moura

eu estou na casa das nuvens
do terraço faço cais
passa uma nuvem e outra
e mais outra e vêm lá mais
quero apanhar uma delas
mas não sei em qual tu vais
chega a uma das janelas
e daí faz-me sinais


in poesia reunida, vol. 2 1997-2010
Quetzal poesia


Vasco Navarro da Graça Moura (Foz do Douro, Porto, 3 de janeiro de 1942 — Lisboa, 27 de abril 2014)

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2016-04-26

VIII - Quasi - Mário de Sá-Carneiro (na passagem do centenário da morte do poeta)

Um pouco mais de sol - eu era brasa,
Um pouco mais de azul - eu era além.
Para atingir, faltou-me um golpe d'asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...

Assombro ou paz? Em vão... Tudo esvaído
Num grande mar enganador de espuma;
E o grande sonho despertado em bruma,
O grande sonho - ó dor! - quase vivido...

Quasi o amor, quasi o triunfo e a chama,
Quasi o princípio e o fim - quasi a expansão...
Mas na minh'alma tudo se derrama...
Entanto nada foi só ilusão!

De tudo houve um começo ... e tudo errou...
- Ai a dor de ser-quasi, dor sem fim...
Eu falhei-me entre os mais, falhei em mim,
Asa que se enlaçou mas não voou...

Momentos d'alma que desbaratei...
Templos aonde nunca pus um altar...
Rios que perdi sem os levar ao mar...
Ânsias que foram mas que não fixei...

Se me vagueio, encontro só indícios...
Ogivas para o sol - vejo-as cerradas;
E mãos de herói, sem fé, acobardadas,
Puseram grades sobre os precipícios...

Num ímpeto difuso de quebranto,
Tudo encetei e nada possuí...
Hoje, de mim, só resta o desencanto
Das coisas que beijei mas não vivi...

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Um pouco mais de sol - e fora brasa,
Um pouco mais de azul - e fora além.
Para atingir faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...

Paris 1913, maio 13

Mário de Sá-Carneiro (n. Lisboa, 19 de maio de 1890; m. em Paris, 26 de abril de 1916 - suicídio).

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2016-04-22

Quissange - Saudade Negra - Thomaz Vieira da Cruz



Não sei, por estas noites tropicais,
o que me encanta...
Se é o luar que canta
ou a floresta aos ais.

Não sei, não sei, aqui neste sertão
de musica dolorosa
qual é a voz que chora
e chega ao coração...

Qual o som que aflora
dos lábios da noite misteriosa!

Sei apenas, e isso é que importa,
que a tua voz, dolente e quase morta,
já mal a escuto, por andar ausente,
já mal escuto a tua voz dolente...

Dolente, a tua voz "luena",
lá do distante Moxico,
que disponho e crucifico
nesta amargura morena...

Que é o destino selvagem
duma canção em que tange,
por entre a floresta virgem
o meu saudoso "Quissange".

Quissange, fatalidade
deste meu triste destino...
Quissange, negra saudade
do teu olhar diamantino.

Quissange, lira gentia,
cantando o sol e o luar,
e chorando a nostalgia
do sertão, por sobre o mar.

Indo mares fora, mares bravos,
em noite primaveril
acompanhando os escravos
que morreram no Brasil.

Não sei, não sei,
neste verão infinito,
a razão de tanto grito...

-Se és tu, oh morte, morrei!

Mas deixa a vida que tange,
exaltando as amarguras,
e as mais tristes desventuras
do meu amado Quissange!

Thomaz Vieira da Cruz nasceu em Constância, Ribatejo, em 22 de abril de 1900. Viveu em Angola a maior parte da sua sua vida. Fundou com outros, em Novo Redondo, onde viveu largos anos, o Jornal Mocidade. Considerado um percursor da literatura angolana, faleceu em Lisboa em 7 de junho de 1960.

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2016-04-21

Camoneanos I [Nunca, Senhora, o vosso olhar me tente] - Oliveira San-Bento

Nunca, Senhora, o vosso olhar me tente,
Pois de tentar, não deixa um só momento:
Vivo de o ver e, vendo-o mais aumento
O desejo de ver-vos, novamente.

Os vãos desejos, que nem louco sente,
De os sentir, trago gasto o pensamento:
De ver-vos nunca canso e cansa o vento
E terra e mar de ver-me descontente!

Olhos meus que no pranto estão mudados,
Longo tempo, no pranto se quedaram
E, de chorar, ficaram transformados.

Vossas prendas, Senhora, não deixaram
Se prendam noutra coisa os meus cuidados
E, de pena, os cuidados me mataram.

in Ao Cair da Noite

José de Oliveira San-Bento nasceu em 21 de abril de 1893 na freguesia de Matriz (Nª Senhora da Estrela), concelho de Ribeira Grande – S. Miguel – Açores, faleceu a 22 de janeiro de 1975 em Ponta Delgada – S. Miguel - Açores

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2016-04-20

Ao Luar - Augusto dos Anjos




Quando, à noite, o Infinito se levanta
A luz do luar, pelos caminhos quedos
Minha tactil intensidade é tanta
Que eu sinto a alma do Cosmos nos meus dedos!

Quebro a custódia dos sentidos tredos
E a minha mão, dona, por fim, de quanta
Grandeza o Orbe estrangula em seus segredos,
Todas as coisas íntimas suplanta!

Penetro, agarro, ausculto, apreendo, invado,
Nos paroxismos da hiperestesia,
O Infinitésimo e o Indeterminado...

Transponho ousadamente o átomo rude
E, transmudado em rutilância fria,
Encho o Espaço com a minha plenitude!

Augusto de Carvalho Rodrigues dos Anjos (n. no Engenho Pau d'Arco, Paraíba, no dia 20 de abril de 1884; m. em Leopoldina em 12 de novrmbro de 1914).

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2016-04-18

IDEAL - Antero de Quental



Aquela que eu adoro não é feita
De lírios nem de rosas purpurinas,
Não tem as formas lânguidas, divinas,
Da antiga Vénus de cintura estreita...

Não é a Circe, cuja mão suspeita
Compõe filtros mortais entre ruínas,
Nem a Amazona, que se agarra às crinas
Dum corcel e combate satisfeita...

A mim mesmo pergunto, e não atino
Com o nome que dê a essa visão,
Que ora amostra ora esconde o meu destino...

É como uma miragem que entrevejo,
Ideal, que nasceu na solidão,
Nuvem, sonho impalpável do Desejo...

Poema extraído de "366 poemas que falam de amor, uma antologia organizada por Vasco da Graça Moura, Quetzal Editores"

Antero Tarquínio de Quental (n. em Ponta Delgada, 18 de abril de 1842 - m. Ponta Delgada, 11 de setembro de 1891)

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2016-04-15

Poema de Amor - Fernando Namora


Se te pedirem, amor, se te pedirem
que contes a velha história
da nau que partiu
e se perdeu,
não contes, amor, não contes
que o mar és tu
e a nau sou eu.

E se pedirem, amor, e se pedirem
que contes a velha fábula
do lobo que matou o cordeiro
e lhe roeu as entranhas,
não contes, amor, não contes
que o lobo é a minha carne
e o cordeiro a minha estrela
que sempre tu conheceste
e te guiou — mal ou bem.

Depois, sabes, estou enjoado
desta farsa.
Histórias, fábulas, amores
tudo me corre os ouvidos
a fugir.

Sou o guerreiro sem forças
para erguer a sua espada,
sou o piloto do barco
que a tempestade afundou.

Não contes, amor, não contes
que eu tenho a alma sem luz.

...Quero-me só, a sofrer e arrastar
a minha cruz.

in "Relevos"

Fernando Namora (nasceu em Condeixa a 15 de abril de 1919; m. em Lisboa a 31 de janeiro de 1989)

Ler do mesmo autor, neste blog:
Balada de Sempre
Poema 8: Vem Cassilda olhar a madrugada que rompe
Intimidade
Poema Cansado de Certos Momentos
Poema da Utopia
Coisas, Pequenas Coisas
Noite

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2016-04-14

O EU - Miguel Reale (na passagem do 10º aniversário do seu desaparecimento)

Abismo em que me perco todo dia
Sempre à procura de meu ser disperso,
Reflexo do que passa pelo céu
Ou espelho exposto a todas as figuras.

Um centro vivo ou então periferia
Às vezes emergindo outras imerso
No que é dos outros ou no que é meu,
Dando sentido enorme às criaturas.

Barco perdido em meio à correnteza
Ou bússola marcando os horizontes,
Um sair e volver eternamente,

Novelo intumescido de incerteza
As chãs planícies e elevados montes,
Virtualidades todas da semente.


Miguel Reale, nasceu em São Bento do Sapucaí, 6 de novembro de 1910 e faleceu em São Paulo, 14 de abril de 2006.

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2016-04-13

Cantarei até que a voz me doa, no aniversário de José Luís Gordo, na voz de Maria da Fé



Até que a voz me doa
José Luís Gordo / Fontes Rocha
Repertório de Maria da Fé

Cantarei... até que a voz me doa
P'ra cantar, cantar sempre o meu fado
Como a ave que tão alto voa
E é livre de cantar em qualquer lado;
Cantarei... até que a voz me doa

Cantarei... até que a voz me doa
Ao meu país, à minha terra, à minha gente
À saudade e à tristeza que magoa
Ao amor de quem ama e morre ausente;
Cantarei... até que a voz me doa

Cantarei... até que a voz me doa
Ao amor e à paz cheia de esperança
Ao sorriso e à alegria da criança
Cantarei... até que a voz me doa
Cantarei... até que a voz me doa



José Luís Gordo nasceu em Vila de Frades, Vidigueira, a 13 de abril de 1947 (autor do poema)

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2016-04-12

Se amar é procurar a cousa amada - José Albano


Se amar é procurar a cousa amada
e unir duas vontades num desejo,
se é ressentir um mal tão benfazejo
que quanto mais tortura, mais agrada;

se amar é sofrer tudo por um nada
e a um tempo achar que e pouco o que é sobejo,
já claramente agora entendo e vejo
que não há quem de amor me dissuada.

Ó doce inquietação e doce engano,
doce padecimento e desatino
de que não me envergonho, antes me ufano!

Comigo quantas vezes imagino:
se é tão doce na terra o amor humano,
que não será no Céu o amor divino?!

José de Abreu Albano (n. em Fortaleza, Ceará, Brasil a 12 de abril de 1882, m. em Montauban, França a 11 de julho de 1923)

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2016-04-11

Visão Dum Leito - António Fogaça

imagem daqui

Ei-la dormindo! Como a branca espuma
que desliza ao quebrar duma onda enorme,
é do seu leito tão plácido...que, em suma,
lembra uma concha onde a Volúpia dorme.

Cerrado o olhar, um céu de ignoto enleio,
o seu corpo febril me surpreendeu...
nudez de acaso, enfim, um céu que veio
como a suprir os lumes do outro céu.

Forma suave, branda, áurea-divina...
-Céu para os lábios, flor que em sonho amado
de puríssimos gozos se ilumina,
sob um chão de luar doce e azulado.

E eu sem poder tocar naquela face...
nem conseguir ao menos esquecê-la!
Eu - como se este olhar, triste, ficasse
a vida inteira condenado a vê-la!...

Vê-la sem a beijar - fosse de leve!
voluptuosa, entre ilusões e alvores,
como um raio de Sol doirando a neve,
como um perfume sobre um mar de flores.


in 366 poemas que falam de amor; uma antologia organizada por Vasco da Graça Moura, Quetzal Editores

António Maria Gomes Machado Fogaça (n. Barcelos, 11 Abr 1863, m. Coimbra, a 27 Nov. 1888).

«Fogaça foi um desses cedo-mortos que tiveram unicamente na arte como na vida, páginas de mocidade. A poesia de António Fogaça é quase sempre risonha de prazer, voluptuosa, quente d'amor lânguida e macia como essas peçasinhas que ele dóba para as suas amadas que, mesmo morrendo, ficam vivas para ele...» (Manoel de Sousa Pinto in Arte & Vida, nº. 1 - Novembro de 1904).

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2016-04-10

Pequeno Poema - Sebastião da Gama


Quando eu nasci,
ficou tudo como estava.

Nem homens cortaram veias,
nem o Sol escureceu,
nem houve Estrelas a mais...
Somente,
esquecida das dores,
a minha Mãe sorriu e agradeceu.

Quando eu nasci,
não houve nada de novo
senão eu.

As nuvens não se espantaram,
não enlouqueceu ninguém...

Pra que o dia fosse enorme,
bastava
toda a ternura que olhava
nos olhos de minha Mãe...

Sebastião da Gama (n. em Vila Nogueira de Azeitão, Setúbal a 10 de abril de 1924; m. Lisboa, 7 de fevereiro de 1952)

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2016-04-08

Uma Declaração de Amor - Egito Gonçalves



Uma declaração de amor não é acontecimento do domínio público, uma baleia que vara na praia sob o sol dos desastres e convoca multidões, desalinhando hábitos quotidianos; uma declaração de amor é um acto de grande intimidade que ergue um véu transparente de onde brotam mel e pássaros azuis. As palavras directas ou indirectas, ditas ou escritas, suscitam a carícia única, irrepetível, a leve percussão que desenha no silêncio a imagem do que se ama. E assim terá de se guardar. Num lugar seguro onde os sismos não possam encontrar o mapa do tesouro.

in O Mapa do Tesouro, 1998

José Egito de Oliveira Gonçalves (nasceu em Matosinhos, 8 de abril de 1922 - m. Porto, 29 de janeiro de 2001)

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2016-04-07

Mãe! Vem ouvir ...- Almada Negreiros



Mãe!
Vem ouvir a minha cabeça contar histórias ricas que ainda não viajei! Traze tinta encarnada para escrever estas coisas! Tinta cor de sangue, sangue verdadeiro, encarnado!
Mãe! Passa a tua mão pela minha cabeça!
Eu ainda não fiz viagens e a minha cabeça não se lembra senão de viagens! Eu vou viajar. Tenho sede! Eu prometo saber viajar.

Quando voltar é para subir os degraus da tua casa, um por um. Eu vou aprender de cor os degraus da nossa casa. Depois venho sentar-me ao teu lado. Tu a coseres e eu a contar-te as minhas viagens, aquelas que eu viajei, tão parecidas com as que não viajei, escritas ambas com as mesmas palavras.

Mãe! ata as tuas mãos às minhas e dá um nó-cego muito apertado! Eu quero ser qualquer coisa da nossa casa. Como a mesa. Eu também quero Ter um feitio que sirva exactamente para a nossa casa, como a mesa.

Mãe! passa a tua mão pela minha cabeça!

Quando passas a tua mão na minha cabeça é tudo tão verdade!

in Rosa do Mundo 2001 Poemas para o Futuro, Assírio & Alvim

José Sobral de Almada Negreiros (n. em S. Tomé e Príncipe a 7 de abril de 1893; m. Lisboa, 15 de junho de 1970)

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2016-04-05

À MUSA - Guilherme de Azevedo


À luz das noites serenas
A capela de açucenas
Te envolve em lúcido véu!
Ao meigo clarão da lua
És a imagem que flutua
No puro ambiente do céu!

E os ternos suspiros soltos,
E os teus cabelos revoltos
Ao sabor da viração,
Perpassam brandos na mente
Como as brisas do poente
Na cratera do vulcão!

Ó santa imagem querida,
Como és bela adormecida!
Que mistério em teu palor!
Que doçura no teu canto,
E que perfume tão santo
Nas tuas cismas d'amor!

Deixa cair uma rosa
Da tua fronte mimosa,
Da vida no turvo mar!
Descerra-me o paraíso
Que no teu fugaz sorriso
Nos faz viver e sonhar!

in 'Antologia Poética'

Guilherme Avelino de Azevedo Chaves nasceu em Santarém a 30 de novembro de 1840 e morreu em Paris a 6 de abril de 1882.

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2016-04-04

Quotation of the day: Martin Luther King



The ultimate measure of a man is not where he stands in moments of comfort and convenience, but where he stands at times of challenge and controversy.

Martin Luther King, Jr. (Atlanta, 15 de janeiro de 1929 — Memphis, 4 de abril de 1968)

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2016-04-02

Esfinge - Francisco Costa

Nada se sabe, nada. As almas são
Perpetuamente alheias. Que se oculta
Por trás duns olhos límpidos? Em vão
O olhar mergulha e o espírito consulta.

Só a carne se funde, as almas não.
Dentro do peito que o ouvido ausculta
Distingue-se o pulsar dum coração,
Mais nada. A esfinge permanece oculta.

Inexplicável, entre nós e a vida
De nós mais achegada e conhecida,
Há sempre um denso véu que não transpomos.

Vemos as formas sem que as penetremos,
E enfim nem de nós próprios nós sabemos
Se a morte um dia nos dirá quem somos.


Extraído de Antologia de Poemas Portugueses Modernos, por Fernando Pessoa e António Botto,
Ática Poesia

Francisco José Lopes da Costa (n. em Sintra a 12 de Agosto de 1900; m. em Sintra a 2 de Abril de 1988).

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2016-04-01

O Soneto, Voz Portuguesa - Álvaro de Castelões


Este nobre poema, dum tão sóbrio traço,
que, em seus lapidares versos musicais,
traduziu as queixas e Petrarca e a Tasso
dum amor funesto recolheu os ais,

foi para Camões o virtual regaço
em que derramopu os prantos imortais
que verteu, proscrito dos salões do Paço,
duns olhos cativo, aoseu amor fatais.

Já voz portuguesa, a alma lusa encanta,
Bocage o consagra e Antero o levanta,
num dantesco arrojo de alta inspiração;

e a Graça e a Beleza de forma e conceito
cantam a embalá-lo como a um berço feito
para acalentar sonhos do coração.

Álvaro de Castro Araújo Cardoso Pereira Ferraz, 3º visconde de Castelões(Famalicão), nasceu no Porto a 1 de Abril de 1859 e faleceu na mesma cidade a 9 de Julho de 1953. Formou-se em Engenharia pela Escola Politécnica de Lisboa. Fez parte de uma missão enviada a Moçambique, em 1889, para estudar o traçado de uma linha férrea que ligasse a parte alta à parte baixa do rio Chire, afluente do Zambeze, salvando as cataratas, mas como entretanto tivesse ocorrido o Ultimatum inglês contra o «mapa cor de rosa», Álvaro de Castelões, à frente de um punhado de landins, destroçou os indígenas sublevados por agentes britânicos, no combate de Mupassa, o que lhe valeu ser considerado «benemérito da Pátria» pelo Parlamento Português, na sessão de 15 de Agosto de 1891. Foi director fiscal do Caminho de Ferro de Mormugão, director das Obras Públicas na Índia portuguesa e director, na Metrópole, dos caminhos de ferro do Minho e Douro. Conviveu, entre outros, com João de Deus, João Penha, Gonçalves Crespo, Gomes Leal, Guerra Junqueiro, Marcelino Mesquita, António Feijó, Júlio Brandão e Campos Monteiro. Foi membro da Sociedade de Geografia de Lisboa e sócio honorário da A.J.H.L.P. Colaborou em várias publicações, nomeadamente na «Revista de Portugal» de Eça de Queirós, com um artigo sobre «A Questão Colonial», em 1892. Editou: «Beijos e Rosas» (1891), «Do Soneto Neo-Latino» (1930), «O Sonho do Infante D. Henrique» (1936), «A Amorosa Canção» (1944), «Rimas Orientais» (1945) e «Dicionário de Rimas» (1951).


Soneto e Nota biobliográfica extraídos de «A Circulatura do Quadrado - Alguns dos Mais Belos Sonetos de Poetas cuja Mátria é a Língua Portuguesa. Introdução, coordenação e notas de António Ruivo Mouzinho. Edições Unicepe - Cooperativa Livreira de Estudantes do Porto, 2004.

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