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2016-03-31

No Baile - Afonso Celso




Ontem ao contemplá-la decotada,
Ao primor do seu colo descoberto,
Senti-me tonto, da vertigem perto,
Fremente o pulso, a vista deslumbrada.

E, como em láctea fonte perfumada,
Sorvi-lhe sonhos mil no seio aberto,
Com a sede de um filho do deserto
Que encontre enfim a linfa suspirada.

Giram em derredor das níveas flores,
Sofregamente, insetos zumbidores ...
- Meus desejos então foram assim...

Mas arredei os olhos, de repente,
Pois meu olhar podia, de tão quente,
Crestar-lhe a fina cútis de cetim!

(in Poesias escolhidas)


Afonso Celso de Assis Figueiredo Jr. nasceu em Ouro Preto (MG) a 31 de março de 1860 e expirou no Rio de Janeiro a 11 de julho de 1938. Doutorou-se em Direito em 1881 e foi deputado em 1882. Filho do visconde de Ouro Preto, acompanhou o pai no exílio após a proclamação da República (1889), mas era abolicionista, socialista e anticlerical. De regresso, abandonou a política, recebeu o título de Conde Romano, em 1905, graças à sua poesia religiosa, e veio a ser director da Faculdade de Direito do Rio. Foi um representante do parnasianismo, pois revela influência de Gonçalves Crespo, mas um talento versátil levou-o a dispersar-se pela ficção, teatro, crítica e história, conferências e discursos, trabalhos jurídicos, etc.

Nota biobliográfica extraída de «A Circulatura do Quadrado - Alguns dos Mais Belos Sonetos de Poetas cuja Mátria é a Língua Portuguesa. Introdução, coordenação e notas de António Ruivo Mouzinho. Edições Unicepe - Cooperativa Livreira de Estudantes do Porto, 2004.

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2016-03-30

A propósito do 14º aniversário da morte de Anand Bakshi, António Chainho: LisGoa - Zindagi Ke Safar Mein


Zindagi Ke Safar Mein - Faixa número 5 de LisGoa

Zindagi Ke Safar Mein Guzar Jaate Hain Jo Makaam
Vo Phir Nahin Aate, Vo Phir Nahin Aate

Phool Khilte Hain, Log Milte Hain
Phool Khilte Hain, Log Milte Hain Magar
Patjhad Mein Jo Phool Murjha Jaate Hain
Vo Baharon Ke Aane Se Khilte Nahin
Kuchh Log Ik Roz Jo Bichhad Jaate Hain
Vo Hazaron Ke Aane Se Milte Nahin
Umra Bhar Chahe Koi Pukaara Kare Unka Naam
Vo Phir Nahin Aate, Vo Phir Nahin Aate
Zindagi Ke Safar Mein...

Aankh Dhokha Hai, Kya Bharosa Hai
Aankh Dhokha Hai, Kya Bharosa Hai Suno
Doston Shaq Dosti Ka Dushman Hai
Apne Dil Mein Ise Ghar Banane Na Do
Kal Tadapna Pade Yaad Mein Jinki
Rok Lo Rooth Kar Unko Jaane Na Do
Baad Mein Pyaar Ke Chahe Bhejo Hazaron Salaam
Vo Phir Nahin Aate, Vo Phir Nahin Aate
Zindagi Ke Safar Mein...

Subah Aati Hai, Shaam Jaati Hai
Subah Aati Hai, Shaam Jaati Hai Yunhi
Vaqt Chalta Hi Rehta Hai Rukta Nahin
Ek Pal Mein Ye Aage Nikal Jaata Hai
Aadmi Theek Se Dekh Paata Nahin
Aur Pardey Pe Manzar Badal Jaata Hai
Ek Baar Chale Jaate Hain Jo Din-Raat Subah-O-Shaam
Vo Phir Nahin Aate, Vo Phir Nahin Aate
Zindagi Ke Safar Mein..

Zindagi Ke Safar Mein by Natasha Lewis



Vida
Os momentos passados ao longo da vida
Não voltam mais, não voltam mais

As flores florescem as pessoas encontram-se
As flores florescem, as pessoas encontram-se, mas
as flores que murcham durante o outono
Não florescem mais durante a primavera
As pessoas que se separam ao longo da sua vida
Não se encontram mais no meio da multidão
Mesmo que roguemos por seus nomes,
Não voltam mais

Tudo isto não passa de uma ilusão,
Tudo isto não passa de uma ilusão, mas ouçam
Amigos, a desconfiança é inimiga da amizade.
Não deixem que ela se apodere do vosso coração
Se a separação de um amigo te faz sofrer
Não causes mágoa no seu coração
Mesmo que peças desculpa após a partida
Não volta mais, não volta mais

Letra de Anand Bakshi (was born in Rawalpindi, now in Pakistan, 21 July 1920 – d. 30 March 2002 at Mumbai's Nanavati Hospital)

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2016-03-29

Nem a distança das mia - Zé da Luz



Severino de Andrade Silva (Zé da Luz), nasceu em Itabaiana em 29 de março de 1904 e faleceu no Rio de Janeiro em 12 de fevereiro de 1965.

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Ainda e sempre Amália a propósito do 16º. aniversário do falecimento de Alain Oulman

Com que voz chorarei meu triste fado,
que em tão dura paixão me sepultou.
Que mor não seja a dor que me deixou
o tempo, de meu bem desenganado.

Mas chorar não estima neste estado
aonde suspirar nunca aproveitou.
Triste quero viver, pois se mudou
em tristeza a alegria do passado.

Assim a vida passo descontente,
ao som nesta prisão do grilhão duro
que lastima ao pé que a sofre e sente.

De tanto mal, a causa é amor puro,
devido a quem de mim tenho ausente,
por quem a vida e bens dele aventuro.


Poema de Luís Vaz de Camões, música de Alain Oulman

Alain Oulman nasceu a 15 de junho de 1928, em Cruz Quebrada-Dafundo, concelho de Oeiras e faleceu em Paris a 29 de março de 1990)

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2016-03-28

O som do mundo anda... - Luís de Miranda Rocha

O som do mundo anda, veloz ligeiro cresce, rapidez intensiva, animação do ar.
O som do mar que vem, do mar no ar desliza, no âmbito do ar, no sentido da noite.
O som do mundo anda, no âmbito do ar, o som do mar propaga, o som do mar expande.
O som do mundo ouve, nos côncavos ressoa, na cabeça por dentro, interna nos ouvidos.
O som do mar ouvido, no som do ar que cresce, no som da noite anda, tumulto azul escuro.

Luís de Miranda Rocha, jornalista, crítico literário e poeta nasceu em Mira em 1947 e faleceu em Coimbra a 28 de março de 2007

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2016-03-26

Soneto de Despedida - Francisco Bingre (na passagem dos 160 anos da sua morte)

A meus netos, filhos de minha filha Raimunda

Filhos de minha filha, amados Netos,
Duas vezes meus filhos tão queridos:
Recebei os meus últimos gemidos,
Recolhei meus recônditos afectos!...

Vós sois os meus amados mais dilectos,
Em que sempre empreguei os meus sentidos;
Queira o Céu que sejais dos escolhidos
Que Deus escritos tem nos seus decretos.

Vai o foro pagar à Natureza
O vosso velho avô que assaz vos ama!...
Envolvido nas mantas da pobreza.

Abrasado de amor na viva chama,
Nada tem que deixar-vos, de riqueza,
Mais que o triste pregão da sua fama.


Soneto n.º 2082 – pag. 469 do 6.º volume das Obras Completas
Extraído daqui


Francisco Joaquim Bingre nasceu em S. Tomé de Canelas, Estarreja no dia 9 de julho de 1763 e morreu em Mira a 26 de março de 1856).

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2016-03-24

O Conselho das Árvores - Olegário Mariano

Sofro, luz dos meus olhos, quando dizes
Que a vida não te alenta nem conforta.
Olha o exemplo das árvores felizes
Dentro da solidão da noite morta.

Que lhes importa a dor, que lhes importa
O drama que há no fundo das raízes?
Não sentem quando o vento os ramos corta
E as folhas leva em várias diretrizes?

Que lhes importa a maldição do outono
E os dedos envolventes da garoa,
Se dão sombra às taperas no abandono?!...

Levanta os braços para o firmamento
E canta a vida porque a vida é boa
Mesmo esmagada pelo sofrimento.


Olegário Mariano Carneiro da Cunha (nasceu no Recife, Pernambuco a 24 de Março de 1889; morreu no Rio de Janeiro a 28 de Novembro de 1958).

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2016-03-23

Li algures que os gregos antigos não escreviam necrológios - Herberto Hélder (no 1º. aniversário do desaparecimento - físico - do poeta)

li algures que os gregos antigos não escreviam necrológios,
quando alguém morria perguntavam apenas:
tinha paixão?
quando alguém morre também eu quero saber da qualidade da sua paixão:
se tinha paixão pelas coisas gerais,
água,
música,
pelo talento de algumas palavras para se moverem no caos,
pelo corpo salvo dos seus precipícios com destino à glória,
paixão pela paixão,
tinha?
e então indago de mim se eu próprio tenho paixão,
se posso morrer gregamente,
que paixão?
os grandes animais selvagens extinguem-se na terra,
os grandes poemas desaparecem nas grandes línguas que desaparecem,
homens e mulheres perdem a aura
na usura,
na política,
no comércio,
na indústria,
dedos conexos, há dedos que se inspiram nos objectos à espera,
trémulos objectos entrando e saindo
dos dez tão poucos dedos para tantos
objectos do mundo
¿e o que há assim no mundo que responda à pergunta grega,
pode manter-se a paixão com fruta comida ainda viva,
e fazer depois com sal grosso uma canção curtida pelas cicatrizes,
palavra soprada a que forno com que fôlego,
que alguém perguntasse: tinha paixão?
afastem de mim a pimenta-do-reino, o gengibre, o cravo-da-índia,
ponham muito alto a música e que eu dance,
fluido, infindável,
apanhado por toda a luz antiga e moderna,
os cegos, os temperados, ah não, que ao menos me encontrasse a paixão e eu me perdesse nela,
a paixão grega

de A Faca não Corta o Fogo

Herberto Hélder de Oliveira (n. Funchal, São Pedro, 23 de novembro de 1930 - m. Cascais, 23 de março de 2015)

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2016-03-22

XLI - Crianças fomos, como tal, tu, louca - Guimarães Passos

Crianças fomos, como tal, tu, louca
de amores foste e eu, louco, te imitava,
então pelos teus olhos eu me olhava
e tu falavas pela minha boca.

E para nós tão cheia se mostrava
a vida que, por certo, havia de oca
ser para os outros; pena que foi, pouca
fosse para quem rindo a desfrutava.

Os anos foram breves como dias;
os dias como as horas foram breves;
esqueçamos passadas fantasias,

que, se eu fui louco, e se tu foste louca,
já por meus olhos hoje vejo e deves
ver que hoje falas pela tua boca.


Sebastião Cícero dos Guimarães Passos nasceu em Maceió, Alagoas, no dia 22 de março de 1867, e faleceu em Paris, no dia 9 de setembro de 1909.

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2016-03-21

Não sei quantas almas tenho - Fernando Pessoa (no Dia Mundial da Poesia)

No Dia Mundial da Poesia deixo aqui mais um poema de um dos maiores (ou o maior?) poeta português:

Não sei quantas almas tenho.
Cada momento mudei.
Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem acabei.
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem alma não tem calma.
Quem vê é só o que vê,
Quem sente não é quem é.

Atento ao que sou e vejo,
Torno-me eles e não eu.
Cada meu sonho ou desejo
É do que nasce e não meu.
Sou minha própria paisagem;
Assisto à minha passagem,
Diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me onde estou.

Por isso, alheio, vou lendo
Como páginas, meu ser.
O que segue não prevendo,
O que passou a esquecer.
Noto à margem do que li
O que julguei que senti.
Releio e digo : «Fui eu ?»
Deus sabe, porque o escreveu.

24.Ago.1930
Fernando Pessoa

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2016-03-19

Poema Suspirado - Rui Diniz

Coimbra Night View - by adores (daqui)

Algures, num momento de silêncio,
neste campo aberto que é a minha vida,
de noite,
sempre de noite – quando a magia acontece,
surge uma forma no vento
e nele,
um poema suspirado.
É certo que os poemas são mesmo efémeros
e as palavras um dia serão nada,
desaparecerão no esquecimento das eras
tal como as peles que vestimos
e os nomes que ostentamos.
O poema que é teu,
trazido pela brisa que na relva fresca te desenha,
um dia não será mais que outra coisa,
acompanhando-nos,
na impiedosa sucessão de formas e sabores
que provamos
e temos de largar.

Mas esse teu suspiro
e essa tua forma
e esse teu poema
e esse teu sentido (tão próximo do meu)
pintaram-se no quadro do horizonte
deste campo aberto que é a minha vida…
e de noite, sempre de noite – quando a magia acontece,
a realidade perceptível da ilusão do universo
colidirá com nossos fogos,
ardendo em uníssono,
dançando no mesmo vento
que agora desenha nós os dois,
que agora suspira o ar quente da cama embriagada,
que nesse momento se deixa entregar…
no mesmo campo aberto que é a nossa vida
e de noite – quando a magia acontece,
àquela pequena parte de um segundo
de uma eternidade passageira.


in Os dias do Amor - Um poema para cada dia do ano, recolha, selecção e organização de Inês Ramos, prefácio de Henrique Manuel Bento Fialho, Ministério dos Livros

Rui Diniz nasceu a 19 de Março de 1979 em Almada

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2016-03-18

Soneto [Meus dias de rapaz, de adolescente] - António Nobre


Meus dias de rapaz, de adolescente,
Abrem a boca a bocejar, sombrios:
Deslizam vagarosos, como os Rios,
Sucedem-se uns aos outros, igualmente.

Nunca desperto de manhã, contente.
Pálido sempre com os lábios frios,
Oro, desfiando os meus rosários pios...
Fora melhor dormir, eternamente!

Mas não ter eu aspirações vivazes,
E não ter como têm os mais rapazes,
Olhos boiando em sol, lábio vermelho!

Quero viver, eu sinto-o, mas não posso:
E não sei, sendo assim enquanto moço,
O que serei, então, depois de velho

António Pereira Nobre (nasceu no Porto a 16 de agosto de 1867 e faleceu, vítima de tuberculose pulmonar, na Foz do Douro, Porto a 18 de março de 1900).

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2016-03-17

4 [Volto breve. E, se tardar] - António Botto

«Volto breve. E se tardar.
Mandarei uma notícia.»
- Dizias tu
Num aprumo juvenil
Apertando a minha mão.

Duvidei -
Manifestando
Essa dúvida. sorrindo...

E a promessa repetiu-se
Num outro aprumo mais lindo.

Habituado à descrença
E a sentir que tudo falha.
- Pobre de quem se concentra
Sem ouvir o coração!, -
Tentei, contudo, iludir-me,
Quis achar que me enganava,
E, afinal, - triste certeza!
Era certo o que eu pensava.

in Dandismo, 1928

António Tomaz Botto (nasceu em Concavada, Abrantes a 17 de agosto de 1897 e morreu no Rio de Janeiro a 17 de março de 1959)

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2016-03-16

Queixas das Almas Jovens Censuradas - Natália Correia (música e voz de José Mário Branco)


Dão-nos um lírio e um canivete
E uma alma para ir à escola
Mais um letreiro que promete
Raízes, hastes e corola.

Dão-nos um mapa imaginário
Que tem a forma duma cidade
Mais um relógio e um calendário
Onde não vem a nossa idade.

Dão-nos a honra de manequim
Para dar corda à nossa ausência.
Dão-nos o prémio de ser assim
Sem pecado e sem inocência.

Dão-nos um barco e um chapéu
Para tirarmos o retrato.
Dão-nos bilhetes para o céu
Levado à cena num teatro.

Penteiam-nos os crânios ermos
Com as cabeleiras dos avós
Para jamais nos parecermos
Connosco quando estamos sós.

Dão-nos um bolo que é a história
Da nossa história sem enredo
E não nos soa na memória
Outra palavra para o medo.

Temos fantasmas tão educados
Que adormecemos no seu ombro
Sonos vazios, despovoados
De personagens do assombro.

Dão-nos a capa do evangelho
E um pacote de tabaco.
Dão-nos um pente e um espelho
Para pentearmos um macaco.

Dão-nos um cravo preso à cabeça
E uma cabeça presa à cintura
Para que o corpo não pareça
A forma da alma que o procura.

Dão-nos um esquife feito de ferro
Com embutidos de diamante
Para organizar já o enterro
Do nosso corpo mais adiante.

Dão-nos um nome e um jornal,
Um avião e um violino.
Mas não nos dão o animal
Que espeta os cornos no destino.

Dão-nos marujos de papelão
Com carimbo no passaporte.
Por isso a nossa dimensão
Não é a vida. Nem é a morte.

Poesia Completa
Publicações Dom Quixote, 1999

Natália de Oliveira Correia (n. na Ilha de S. Miguel, Açores a 13 de setembro de 1923; m. em Lisboa a 16 de março de 1993).

Música e Voz: José Mário Branco

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2016-03-15

Juízo Final - Blas de Otero (na passagem do centenário do nascimento do poeta)


Eu pecador, artista do pecado,
comido pela ânsia até aos ossos,
eu, tropel de esperanças e fracassos,
escultura de dor, firma do vento.

Eu, pecador, enfim, desesperado
de sombras e de sonhos: eu confesso
que sou um homem em modo de falar-vos
da vida. Pequei. Não me arrependo.

Nasci para contar com estes lábios
que a morte varrerá um dia destes
as descidas mais esplêndidas a pique
daquele belo avião de carne e osso.

De asas para cima, arremessou ou braços
fazendo alarde de tão alto invento;
penas de níquel; lentas, escrevei,
Ei-las aqui, fincadas neste solo.

Este é meu sítio. Meu terreno. Campo
de aterrar de minha ânsia. Céu
do avesso. Meu sítio e não o troco
por nenhum. Caí. Não me arrependo.

Ímpetos novos nascerâo, mais altos.
Chegarei por meus pés - para que os quero? -
a pátria do homem: ao céu limpo
dessas sombras e dessas esperanças.

in Antologia da Poesia Espanhola Contemporânea, selecção e tradução de José Bento; Assírio & Alvim

Blas de Otero Muñoz (n. Bilbao, 15 de março de 1916 - m. Majadahonda, Madrid, 29 de junho de 1979)

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2016-03-14

Horas de Saudade - Castro Alves

Foto: Origami - a propósito de Akira Yoshizawa 
(吉澤 章  14 March 1911 Kaminokawa, Japan – 14 March 2005)
 considerado o grande mestre do origami


Tudo vem me lembrar que tu fugiste,
Tudo que me rodeia de ti fala.
Inda a almofada, em que pousaste a fronte,
O teu perfume predileto exala.

No piano saudoso, à tua espera,
Dormem sono de morte as harmonias;
E a valsa entreaberta mostra a frase,
A doce frase que inda há pouco lias.

As horas passam longas, sonolentas...
Desce a tarde no carro vaporoso...
D'Ave-Maria o sino, que soluça,
É por ti que soluça mais queixoso.

E não vens te sentar perto, bem perto,
Nem derramas ao vento da tardinha,
A caçoula de notas rutilantes
Que tua alma entornava sobre a minha.

E, quando uma tristeza irresistível
Mais fundo cava-me um abismo n'alma,
Como a harpa de Davi, teu riso santo
Meu acerbo sofrer já não acalma.

É que tudo me lembra que tu fugiste,
Tudo que me rodeia, de ti fala,
Como o cristal da essência do Oriente
Mesmo vazio a sândalo trescala...

No ramo curto o ninho abandonado
Relembra o pipilar do passarinho.
Foi-se a festa de amores e de afagos...
Eras - ave do céu..-.minh'alma - o ninho!

Por onde trilhas - um perfume expande-se,
Há ritmo e cadência no teu passo!
És como a estrela, que transpondo as sombras,
Deixa um rastro de luz no azul do espaço...

E teu rastro de amor guarda minh'alma,
Estrela, que fugiste aos meus anelos!
Que levaste-me a vida entrelaçada
Na sombra sideral de teus cabelos!...

Extraído de Os dias do Amor, um poema para cada dia do ano; recolha, selecção e organização de Inês Ramos; prefácio de Henrique Manuel Bento Fialho

Antônio Frederico de Castro Alves (n. em Muritiba, Bahia, 14 de março de 1847 — m. Salvador, Bahia, 6 de julho de 1871).

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2016-03-11

Antes que Seja Tarde - Manuel da Fonseca


Amigo,
tu que choras uma angústia qualquer
e falas de coisas mansas como o luar
e paradas
como as águas de um lago adormecido,
acorda!
Deixa de vez
as margens do regato solitário
onde te miras
como se fosses a tua namorada.
Abandona o jardim sem flores
desse país inventado
onde tu és o único habitante.
Deixa os desejos sem rumo
de barco ao deus-dará
e esse ar de renúncia
às coisas do mundo.
Acorda, amigo,
liberta-te dessa paz podre de milagre
que existe
apenas na tua imaginação.
Abre os olhos e olha,
abre os braços e luta!
Amigo,
antes da morte vir
nasce de vez para a vida.

in "Poemas Dispersos"

Manuel Lopes da Fonseca (n. em Santiago do Cacém a 15 de outubro de 1911 ; m. em Lisboa a 11 de março de 1993)

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2016-03-10

Disse-te adeus e morri - Vasco de Lima Couto (na voz de Amália Rodrigues)



Disse-te adeus e morri
E o cais vazio de ti
Aceitou novas marés.
Gritos de búzios perdidos
Roubaram dos meus sentidos
A gaivota que tu és.

Gaivota de asas paradas
Que não sente as madrugadas
E acorda noite a chorar.
Gaivota que faz o ninho
Porque perdeu o caminho
Onde aprendeu a sonhar.

Preso no ventre do mar
O meu triste respirar
Sofre a invenção das horas,
Pois na ausência que deixaste,
Meu amor, como ficaste,
Meu amor, como demoras.


Vasco de Lima Couto (Porto, 26 de novembro de 1923 - Lisboa, 10 de março de 1980)

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2016-03-09

Plenitude - Paulo Colina



embora só
vagueio tranquilo
senhor de todas as tormentas
enquanto saboreio teu batom

Paulo Eduardo de Oliveira nasceu em Colina, interior do Estado de São Paulo, no dia 9 de março de 1950; faleceu em 9 de outubro de 1999

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2016-03-08

ADEUS - João de Deus


A ti que em astros desenhei nos céus,
A ti que em nuvens desenhei nos ares,
A ti que em ondas desenhei nos mares,
A ti, bom anjo, o derradeiro adeus!

Parto! Se um dia (que é possivel flor!)
Vires ao longe negrejar um vulto,
Sou eu que aos olhos desta gente oculto
O nosso imenso desgraçado amor.

Talvez as feras ao ouvir meus ais,
As brutas selvas, as montanhas brutas,
Côncavas rochas, solitárias grutas,
Mais se condoam, se comovam mais!

E lá daquelas solidões se aqui
Chegar gemido que uma pedra estale,
Que um cedro vibre, que um carvalho abale,
Sou eu que o solto por amor de ti...

De ti, que em folha que varrer o ar,
Em rama, em sombra que bandeie a aragem,
De fito sempre nessa cara imagem
Verei, sorrindo, sentirei passar!

De ti que em astros desenhei nos céus!
De ti que em nuvens desenhei nos ares!
De ti que em ondas desenhei nos mares,
E a quem envio o derradeiro adeus!


in 366 poemas que falam de amor, uma antologia organizada por Vasco da Graça Moura, Quetzal Editores

João de Deus de Nogueira Ramos, nascido em 8 de março de 1830 em São Bartolomeu de Messines (Silves) e falecido em Lisboa em 11 de janeiro de 1896.

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2016-03-07

Em Prínkipo - António Patrício



O outono de cristal enredomava a ilha.
Era uma elísia luz que os ciprestes fiavam
em rocas verde-bronze: os pinhais plumulavam.
Ouvimos não sei quê; e era - maravilha!-
era uma migração de cegonhas que vinha
em triângulos, gris, sobre a calma marinha,
num ritmo musical, musicalmente absorto,
como seguindo no ar o fantasma dum morto.
Suspendeu-nos os dois o lindo acorde de asas
que vinha do Mar Negro, entre jardins e casas.
E como a migração, rósea e gris despedida,
também em ti dissesse o adágio da partida,
tu colaste-te a mim: deste-me o teu terror:
era a Morte a passar sobre o nosso amor.
Muito tempo passou. - Onde estás tu agora? -

Queria saber se em ti a magia dessa hora,
aquela migração de cegonhas que vinha,
rósea e gris, a vibrar, na atmosfera marinha,
voa e reevoa ainda, irreal maravilha,
no Outono de cristal que enredomava a ilha.


Poema extraído de "Poemas de Amor, antologia de poesia portuguesa, organização e prefácio de Inês Pedrosa, Publicações Dom Quixote

António Patrício (n. no Porto a 7 de março de 1878, m. em Macau, China a 4 de junho de 1930)

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2016-03-05

A IGREJA DO MOSTEIRO - Dom Marcos Barbosa


Flor de pedra e de prece na colina,
lugar alto de paz e de silêncio,
onde a cidade pára de repente
e se ajoelha no chão de antigos túmulos.

Floresta de ouro a nave, onde as cigarras,
até juntar-se um dia ao pó do claustro,
misturam sete vezes suas vozes
à orquestração dos sinos e do órgão.

Caverna de Aladino que oferece
aos mais pobres que entrem seus tesouros,
mel correndo dos favos esculpidos.

Palpitam na penumbra asas de arcanjo,
bispos e reis na talha abrem seus braços,
e a Virgem, do seu trono, entrega o Filho...

Dom Marcos Barbosa (de nome civil: Lauro de Araújo Barbosa), sacerdote e monge beneditino, poeta e tradutor, nasceu em Cristina, MG, em 12 de setembro de 1915, e faleceu no Rio de Janeiro, RJ, em 5 de março de 1997

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2016-03-04

Cleópatra - Gustavo Teixeira


Sob o pálio de um céu broslado de cambiantes,
a galera real, de tírias velas têsas,
avança rio a dentro, arfando de riquezas,
cheia de um resplendor de pedras coruscantes.

Sob um dossel de bisso, entre espirais ebriantes
de incenso, a escultural princesa das princesas
cisma... Remos de prata, à flor das correntezas,
deixam móbeis jardins de bolhas trepidantes...

Soluçam harpas d'oiro às mãos de ancilas belas;
Branda aragem enfuna a púrpura das velas
e à tona da água alveja um espumoso friso.

E a Náiade do Egito, ao ver a frota ingente
de Marco Antônio, ri, levando unicamente
contra as lanças de Roma a graça de um sorriso.

Gustavo de Paula Teixeira (n. São Pedro, Estado de São Paulo, Brasil, 4 de março de 1881 — f. São Pedro, 22 de setembro de 1937)

Do mesmo autor ler: Casa Paterna

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2016-03-03

Moysés - Simões Dias


Estranho vulto, em pé, dos serros de Moab,
Lança o enturvado olhar às regiões fronteiras!
Sorri-lhe Manassé e as veigas de Judá
Acenam de Sêgor as virides palmeiras!

Vão-se-lhes os olhos d'alma, a voz lhe embarga o pranto,
Não lhes permite Deus na terra amada entrar!...
Tal qual sem alcançar-te, ó meu sonhado encanto
Vai morrer a teus pés meu derradeiro olhar!

in Peninsulares

José Simões Dias nasceu na Benfeita, Arganil,a 5 de fevereiro de 1844 e morreu em Lisboa a 3 de março de 1899.

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2016-03-02

O Faroleiro - Cabral do Nascimento


Farol do Recife imagem daqui


Apenas este ilhéu é que é pequeno
O resto é tudo grande: o tédio, a vida,
O dia enorme, a noite mais comprida,
E o mar, calmo ou feroz, rude ou sereno;

O tempo, esse narcótico veneno,
A dor, essa letárgica bebida,
O desejo, essa voz enrouquecida,
E a saudade, o distante e branco aceno.

Tudo profundo, imenso, na amplidão,
Eterno quási na desolação
E sobrenatural na solidão.

A luz vermelha a reflectir-se além…
Nenhum vapor que vai, nenhum que vem…
Farol e faroleiro – e mais ninguém.

João Cabral do Nascimento (n. no Funchal, ilha da Madeira em 22 de março de 1897; m. em 2 de março de 1978 em Lisboa)

 Ler do mesmo autor, neste blog:
Cantiga
Canção: O lenço com que me acena
Canção: Fui ao Mar Buscar Sardinha
Vão as Águas Nostálgicas do Rio;
Brasil
Adeus

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2016-03-01

Ao longe os barcos de flores - Camilo Pessanha (nos 90 anos do seu desaparecimento)

Só, incessante, um som de flauta chora,
Viúva, grácil na escuridão tranquila.
-Perdida voz que de entre as mais se exila
-Festões de som dissimulando a hora

Na orgia, ao longe, que em clarões cintila
E os lábios, branca, do carmim desflora...
Só, incessante, um som de flauta chora,
Viúva, grácil, na escuridão tranquila.

E a orquestra? E os beijos? Tudo a noite, fora,
Cauta, detém. Só modulada trila
A flauta fébil... Quem há-de remi-la?
Quem sabe a dor que sem razão deplora?

Só, incessante, um som de flauta chora...

in Antologia Pessoal da Poesia Portuguesa, de Eugénio de Andrade,
Campo das Letras

CAMILO de Almeida PESSANHA nasceu em Coimbra a 7 de setembro de 1867 e morreu, tuberculoso, em Macau (China) a 1 de março de 1926.

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