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2015-09-30

XXIII [A linguagem do eterno] - Paulo Bomfim



A linguagem do eterno
Principia no efêmero.
Em nosso mar
A intuição é pérola.

Sinfonia branca. São Paulo: Martins, 1955

Paulo Lébeis Bomfim (São Paulo, 30 de setembro de 1926)

Ler do mesmo autor, neste blog:
Cantiga do Desencontro
Soneto I de Transfiguração
Apelo

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2015-09-29

Poema Inicial - Luís Miguel Nava

Poder-me-ão entender todos aqueles
de quem o coração for a roldana
do poço que lhes desce na memória.

Se alguma coisa vi foi com o sangue.
De alguém a quem o sangue serviu de olhos poderá
falar quem o fizer de mim

(Rebentação, 1984)

Luís Miguel de Oliveira Perry Nava (nasceu em Viseu, 29 de setembro de 1957 — m. Bruxelas, 10 de maio de 1995)

Do mesmo autor:
Sem outro intuito
As ondas que se encontram
Os Pratos da Balança
O Último Reduto

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2015-09-28

Lua de Mel - André Breton

O céu e o mar foto retirada daqui

A que se apegam as inclinações recíprocas? Há ciúmes mais picantes que outros. A rivalidade de uma mulher ou de um livro, passeio bem nessa obscuridade. O dedo na cabeça não é o cano do revólver. Creio que nos ouvimos pensar mas o maquinal «Nada» que é a mais brava das nossas recusas não se fez ouvir durante toda esta viagem de núpcias. Mais baixo que as estrelas não há nada para ver fixamente. É perigoso assomar à janela. Ao longo dos carris viam-se estações nitidamente repartidas sobre o golfo. O mar que para a vista humana nunca é mais belo que o céu não nos largava. Nos nossos olhos perdiam-se os belos cálculos orientados para o futuro como os muros das prisões.

Trad. Mário Cesariny in Rosa do Mundo 2001 Poemas para o Futuro, Assírio Alvim

André Breton, n. Tinchebray (Orne), 19 de fevereiro 1896; m. Paris, 28 de setembro de 1966

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2015-09-27

Casa Destelhada - Rodrigues de Abreu

A Plínio Salgado


A minha vida é uma casa destelhada
por um vento fortíssimo de chuva.

(As goteiras de todas as misérias
estão caindo, com lentidão perversa,
na terra triste do meu coração.)

A minha alma, a inquilina, está pensando
que é preciso mudar-se, que é preciso
ir para uma casa bem coberta...

(As goteiras estão caindo,
lentamente, perversamente
na terra molhada do meu coração.)

Mas a minha alma está pensando
em adiar, quanto mais, a mudança precisa.
Ela quer muito bem à velha casa
em que já foi feliz...
E encolhe-se, toda transida de frio,
fugindo às goteiras que caem lentamente
na terra esverdeada do meu coração!

Oh! a felicidade estranha
de pensar que a casa agüente mais um ano
nas paredes oscilantes!
Oh! a felicidade voluptosa
de adiar a mudança, demorá-la,
ouvindo a música das goteiras tristes,
que caem lentamente, perversamente,
na terra gelada do meu coração!

(Do livro: "Casa Destelhada")

Benedito Luís RODRIGUES DE ABREU nasceu em Capivari (SP) a 27 de Setembro de 1897 e morreu em Bauru (SP) a 24 de Novembro de 1927).

Ler do mesmo autor, neste blog:
Litania das Minhas Noites
A Vida
Mar Desconhecido
Ao Luar
Suprema Glória
Crianças
As Andorinhas

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2015-09-26

Musical sugestion of the day: How Deep is the Ocean - Julie London

How much do I love you?
Ill tell you no lie
How deep is the ocean?
How high is the sky?

How many times a day do I think of you?
How many roses are sprinkled with dew?

How far would I travel
To be where you are?
How far is the journey
from here to a star?

And if I ever lost you, how much would I cry?
How deep is the ocean?
How high is the sky?

How far would I travel
To be where you are?
How far is the journey
from here to a star?

And if I ever lost you, how much would I cry?
How deep is the ocean?
How high is the sky?
How high is the sky?


...



song written by Irving Berlin in 1932

Julie London (born Gayle Peck; Santa Rosa, California, United States, september 26, 1926 – Encino, California, October 18, 2000)

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2015-09-25

Paranóia em Astrakan - Roberto Piva


Eu vi uma linda cidade cujo nome esqueci
onde anjos surdos percorrem as madrugas e tingindo seus olhos com
lágrimas invulneráveis
onde crianças católicas oferecem limões aos pequenos paquidermes
que saem escondidos das tocas
onde adolescentes maravilhosos fecham seus cérebros para os telhados
estéreis e incendeiam internatos
onde manifestos niilistas distribuindo pensamentos furiosos puxam
a descarga sobre o mundo
onde um anjo de fogo ilumina os cemitérios em festa e a noite caminha
no seu hálito
onde o sono de verão me tomou por louco e decapitei o Outono de sua
última janela
onde o nosso desprezo fez nascer uma lua inesperada no horizonte
branco
onde um espaço de mãos vermelhas ilumina aquela fotografia de peixe
escurecendo a página
onde borboletas de zinco devoram as góticas hemorroidas das
beatas
onde as cartas reclamam drinks de emergência para lindos tornozelos
arranhados
onde os mortos se fixam na noite e uivam por um punhado de fracas
penas
onde a cabeça é uma bola digerindo os aquários desordenados da
imaginação

Roberto Piva (São Paulo, 25 de setembro de 1937 – São Paulo, 3 de julho de 2010[

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2015-09-24

NUM GESTO DE LUTA - Geraldo Coelho Vaz

Num gesto de luta
aproveita o intervalo.
Espetáculo verdadeiro
de verdadeiro entusiasmo.

Um nome.
Um peixe que sobe,
saltita, pula e dança.
Dança trotando
e retorna às águas do mar.

É o velho e o mar.

Mãos firmes
na corda da pescaria
sangra a firmeza do sonho.
Sonho grande
na grandeza de um peixe.

Luta perpassa a hora,
horas contínuas
de vida e coragem.

Hemingway fascinante
no espetáculo da novela,
da guerra entre dois,
da vitória e da vida.


Geraldo Marmo Coelho Vaz nasceu em Goiânia, Goiás, em 24 de setembro de 1940

Do mesmo autor:
Memória
Tarde Cinzenta
Poema 30 de O Corpo Noturno

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2015-09-23

Cada árvore é um ser para ser em nós - António Ramos Rosa

Cada árvore é um ser para ser em nós
Para ver uma árvore não basta vê-la
A árvore é uma lenta reverência
uma presença reminiscente
uma habitação perdida
e encontrada
À sombra de uma árvore
o tempo já não é o tempo
mas a magia de um instante que começa sem fim
a árvore apazigua-nos com a sua atmosfera de folhas
e de sombras interiores
nós habitamos a árvore com a nossa respiração
com a da árvore
com a árvore nós partilhamos o mundo com os deuses 


António Víctor Ramos Rosa nasceu em Faro a 17 de outubro de 1924 e faleceu em Lisboa a 23 de setembro de 2013.


Ler do mesmo autor neste blog:
Sem segredo algum
Ninguém me disse: Vai por este caminho de água
A Festa do Silêncio
Este Viver Comum
Vertentes
Não posso adiar o amor...
Poema Dum Funcionário Cansado

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2015-09-22

A Virgem - António Aragão (na passagem dos 90 anos do nascimento)


um avião em teus seios desocupados
um guindaste em tua boca alerta

um passo de arco-íris corre
teu pulso – dá-me teu bilhete
oh como voo te gosto de viajar!
um motor faz entre tuas coxas
hossana! é sangue o côncavo do teu lugar

in «Poesia Portuguesa Erótica e Satírica», Organização, prefácio e notas de Natália Correia
Lisboa: Antígona / Frenesi, 1999

António Manuel de Sousa Aragão Mendes Correia (n. São Vicente, Ilha da Madeira, 22 de setembro de 1925 — m. Funchal, 11 de agosto de 2008)

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2015-09-21

Hallelujah - Leonard Cohen on his 80th Birthday



Now I've heard there was a secret chord
That David played, and it pleased the Lord
But you don't really care for music, do you?
It goes like this
The fourth, the fifth
The minor fall, the major lift
The baffled king composing Hallelujah

Hallelujah, Hallelujah
Hallelujah, Hallelujah

Your faith was strong but you needed proof
You saw her bathing on the roof
Her beauty and the moonlight overthrew you
She tied you to a kitchen chair
She broke your throne, and she cut your hair
And from your lips she drew the Hallelujah

Hallelujah, Hallelujah
Hallelujah, Hallelujah

You say I took the name in vain
I don't even know the name
But if I did, well really, what's it to you?
There's a blaze of light
In every word
It doesn't matter which you heard
The holy or the broken Hallelujah

Hallelujah, Hallelujah
Hallelujah, Hallelujah

I did my best, it wasn't much
I couldn't feel, so I tried to touch
I've told the truth, I didn't come to fool you
And even though it all went wrong
I'll stand before the Lord of Song
With nothing on my tongue but Hallelujah

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2015-09-20

A Esperança É Um Barco - Alberto de Lacerda

imagem daqui


A esperança é um barco

A luz
é uma viagem

ALBERTO DE LACERDA
Oferenda II
INCM (1994)

Carlos Alberto Portugal Correia de Lacerda, nasceu em 20 de setembro de 1928 em Lourenço Marques (actual Maputo), Moçambique e faleceu em 26 de agosto de 2007 em Londres.

Do mesmo autor ler, neste blog:
Ir
Poema
A Língua Portuguesa
Vento
To Night
Copo de Água
Hino ao Tejo

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2015-09-19

Felicidade - Ricardo Reis


Aos que a felicidade
É sol, virá a noite.
Mas ao que nada espera
Tudo que vem é grato.


Ricardo Reis (um dos heterónimos de Fernando Pessoa) nasceu, em ficção, no Porto, a 19 de Setembro de 1887. Educado num colégio jesuíta (latinista por educação alheia e semi-helenista por educação própria), formou-se em Medicina. Por ser monárquico, partiu para o Brasil em 1919...

in Odes de Ricardo Reis

Da mesma autoria:
Vem Sentar-te Comigo
Dia após Dia
Aguardo
Não quero recordar nem conhecer-me
Para ser grande sê inteiro


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2015-09-18

As portas que batem - Maria Judite de Carvalho

As portas que batem
nas casas que esperam.
Os olhos que passam
sem verem quem está.
O talvez um dia
Aos que desesperam.
O seguir em frente.
O não se me dá.

O fechar os olhos
a quem nos olhou
O não querer ouvir
quem nos quer dizer.
O não reparar
que nada ficou.
Seguir sempre em frente
E nem perceber.

in Cem Poemas Portugueses
Selecção, organização e introdução de José Fanha e José Jorge Letria

Maria Judite de Carvalho (n. Lisboa, 18 de setembro de 1921 – Lisboa, 1998)

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2015-09-17

Poema do Silêncio - José Régio

Sim, foi por mim que gritei.
Declamei,
Atirei frases em volta.
Cego de angústia e de revolta.

Foi em meu nome que fiz,
A carvão, a sangue, a giz,
Sátiras e epigramas nas paredes
Que não vi serem necessárias e vós vedes.

Foi quando compreendi
Que nada me dariam do infinito que pedi,
-Que ergui mais alto o meu grito
E pedi mais infinito!

Eu, o meu eu rico de baixas e grandezas,
Eis a razão das épi trági-cómicas empresas
Que, sem rumo,
Levantei com sarcasmo, sonho, fumo...

O que buscava
Era, como qualquer, ter o que desejava.
Febres de Mais. ânsias de Altura e Abismo,
Tinham raízes banalíssimas de egoísmo.

Que só por me ser vedado
Sair deste meu ser formal e condenado,
Erigi contra os céus o meu imenso Engano
De tentar o ultra-humano, eu que sou tão humano!

Senhor meu Deus em que não creio!
Nu a teus pés, abro o meu seio
Procurei fugir de mim,
Mas sei que sou meu exclusivo fim.

Sofro, assim, pelo que sou,
Sofro por este chão que aos pés se me pegou,
Sofro por não poder fugir.
Sofro por ter prazer em me acusar e me exibir!

Senhor meu Deus em que não creio, porque és minha criação!
(Deus, para mim, sou eu chegado à perfeição...)
Senhor dá-me o poder de estar calado,
Quieto, maniatado, iluminado.

Se os gestos e as palavras que sonhei,
Nunca os usei nem usarei,
Se nada do que levo a efeito vale,
Que eu me não mova! que eu não fale!

Ah! também sei que, trabalhando só por mim,
Era por um de nós. E assim,
Neste meu vão assalto a nem sei que felicidade,
Lutava um homem pela humanidade.

Mas o meu sonho megalómano é maior
Do que a própria imensa dor
De compreender como é egoísta
A minha máxima conquista...

Senhor! que nunca mais meus versos ávidos e impuros
Me rasguem! e meus lábios cerrarão como dois muros,
E o meu Silêncio, como incenso, atingir-te-á,
E sobre mim de novo descerá...

Sim, descerá da tua mão compadecida,
Meu Deus em que não creio! e porá fim à minha vida.
E uma terra sem flor e uma pedra sem nome
Saciarão a minha fome.

José Régio [José Maria dos Reis Pereira] (n. em Vila do Conde a 17 de Setembro de 1901 — m. Vila do Conde, 22 de Dezembro de 1969)

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2015-09-16

SUPREMO TRAVO - Luis Carlos




Esta muda tristeza indefinida,
Que prematuramente me envelhece,
Dando-me ao ser a contrição da prece,
Dando-me à vida a sombra da outra vida;

Este surdo pesar, que me intimida
E o ânimo quente, aos poucos, me arrefece,
Colhendo lágrimas em larga messe,
Sempre à mesma recôndita ferida

É a condição da minha essência humana.
E sente-a, apenas, quem, no curso incerto
Da existência falaz, nunca se engana;

Quem não vibra à ventura, que tem perto;
Quem, no seio de alegre caravana,
Compreende a sós a mágoa do deserto.

in Colunas, 1920

Luís Carlos da Fonseca Monteiro de Barros nasceu no Rio de Janeiro a 10 de abril 1880, e faleceu no Rio de Janeiro, em 16 de Setembro de 1932)

Do mesmo autor neste blog: Exortação

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2015-09-15

Olhos suaves, que em suaves dias - Bocage

Olhos suaves, que em suaves dias
Vi nos meus tantas vezes empregados,
Vista, que sobra esta alma despedias
Deleitosos farpões, no céu forjados;

Santuários de Amor, luzes sombrias;
Olhos, olhos da cor de meus cuidados,
Que podeis inflamar as pedras frias,
Animar cadáveres mirrados;

Troquei-vos pelos ventos, pelos mares,
Cuja verde arrogância as nuvens toca,
Cuja horríssona voz perturba os ares;

Troquei-vos pelo Mal, que me sufoca;
Troquei-vos pelos ais, pelos pesares:
Oh câmbio triste! oh deplorável troca!


(Rimas, T. 1, 1791)

Manuel Maria Ledoux de Barbosa du Bocage (n. 15 de setembro de 1765 em Setúbal; m. Lisboa, em 21 de dezembro de 1805)

Ler do mesmo autor, neste blog:
O autor aos seus versos
Tudo acaba...
Proposição das rimas do poeta
Ó retrato da Morte! Ó Noite amiga
Já Bocage não sou! ...À Cova escura
Nascemos para amar
Ó tranças de que Amor prisão me tece
Liberdade, onde estás quem te demora...

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2015-09-14

Desenganos - Pde. António Tomás

Muitas vezes sonhei nos tempos idos
Acalentando sonhos de ventura,
Então a voz da lira suave e pura
Era-me um gozo d'alma e dos sentidos.

Hoje, vejo meus sonhos convertidos
Num acervo de dores e de amargura
E percorro da vida a estrada escura
Recalcando no peito os meus gemidos

E se tento cantar como remédio
Minhas mágoas ao sombrio tédio
Que lentamente as forças me quebranta

Os sons de lira que arranco agora
Mais parecem soluços de quem chora
Do que a doce toada de quem canta.


Pe. António Tomás de Sales (n. Acarati, Ceará, Brasil, a 14 de setembro de 1868, m. Fortaleza, Ceará, a 16 de julho de 1941)

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2015-09-13

Poema destinado a haver domingo - Natália Correia

Bastam-me as cinco pontas de uma estrela
E a cor dum navio em movimento
E como ave, ficar parada a vê-la
E como flor, qualquer odor no vento.

Basta-me a lua ter aqui deixado
Um luminoso fio de cabelo
Para levar o céu todo enrolado
Na discreta ambição do meu novelo.

Só há espigas a crescer comigo
Numa seara para passear a pé
Esta distância achada pelo trigo
Que me dá só o pão daquilo que é.

Deixem ao dia a cama de um domingo
Para deitar um lírio que lhe sobre.
E a tarde cor-de-rosa de um flamingo
Seja o tecto da casa que me cobre

Baste o que o tempo traz na sua anilha
Como uma rosa traz Abril no seio.
E que o mar dê o fruto duma ilha
Onde o amor por fim tenha recreio.

Natália de Oliveira Correia (n. na Ilha de S. Miguel, Açores a 13 de setembro de 1923; m. em Lisboa a 16 de março de 1993).

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2015-09-12

Adeus, Meus Sonhos - Álvares de Azevedo


Adeus, meus sonhos, eu pranteio e morro!
Não levo da existência uma saudade!
E tanta vida que meu peito enchia
Morreu na minha triste mocidade!
Misérrimo! Votei meus pobres dias
À sina doida de um amor sem fruto,
E minh´alma na treva agora dorme
Como um olhar que a morte envolve em luto.
Que me resta, meu Deus? Morra comigo
A estrela de meus cândidos amores,
Já não vejo no meu peito morto
Um punhado sequer de murchas flores!

Manuel Antônio Álvares de Azevedo (São Paulo, 12 de setembro de 1831 — Rio de Janeiro, 25 de abril de 1852).

Ler do mesmo autor, neste blog:
Cismar
Meu Desejo
Anjos do Céu
Por que mentias
Soneto
Ai Jesus;
A Lagartixa

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2015-09-11

MAIS LUZ! - Antero de Quental

Amem a noite os magros crapulosos,
E os que sonham com virgens impossíveis,
E os que se inclinam, mudos e impassíveis,
À borda dos abismos silenciosos...

Tu, Lua, com teus raios vaporosos,
Cobre-os, tapa-os e torna-os insensíveis,
Tanto aos vícios cruéis e inextinguíveis,
Como aos longos cuidados dolorosos!

Eu amarei a santa madrugada,
E o meio-dia, em vida refervendo,
E a tarde rumorosa e repousada.

Viva e trabalhe em plena luz: depois,
Seja-me dado ainda ver, morrendo,
O claro Sol, amigo dos heróis!

 Antero Tarquínio de Quental (n. Ponta Delgada, S.Miguel, Açores a 18 de abril 1842; m. em Ponta Delgada, a 11 setembro 1891)

Ler do mesmo autor, neste blog:
Despondency


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2015-09-10

Me Leve (Cantiga Para Não Morrer) - Ferreira Gullar (na voz e composição de Fagner)

Quando você for se embora,
moça branca como a neve,
me leve.
Se acaso você não possa
me carregar pela mão,
menina branca de neve,
me leve no coração.
Se no coração não possa
por acaso me levar,
moça de sonho e de neve,
me leve no seu lembrar.
E se aí também não possa
por tanta coisa que leve
já viva em seu pensamento,
menina branca de neve,
me leve no esquecimento.



...



José Ribamar Ferreira, que usa o pseudónimo literário de FERREIRA GULLAR, nasceu em São Luís, Maranhão, Brasil, a 10 de setembro de 1930 e é Prémio Camões (2010).

Ler do mesmo autor, no Nothingandall:
Apendizado
Neste leito de ausência em que me esqueço
No Corpo
Um Instante
Traduzir-se


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2015-09-09

Os Golfinhos - Norberto Ávila

Seguem, aos bandos, pela estrada azul.
Velozes nadadores,
turbulentos saltimbancos,
mergulham, contornando o casco do navio,
e respiram depois a brisa matinal.

Festivos acrobatas,
de quando em quando erguem-se das ondas,
tentando conhecer
e guardar na memória os viajantes.
(Persistente sinal de afeto indesmentível.)

Amigos fidelíssimos do homem!
Estivéssemos nós em risco de naufrágio:
viriam certamente em nosso auxílio!


Extraído da página do autor aqui

Norberto Ávila nasceu em Angra do Heroísmo, Açores, a 9 de setembro de 1936

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2015-09-08

Conclusão - Isabel de Sá

Fui amante da morte
e da beleza. Vi a loucura,
acreditei na vida.
Da infância falei
como lugar de abismo.
O prazer
foi também a grande fonte
de perturbação e alegria.
Lembrei as mulheres
que recusaram submeter-se,
escrevi palavras fúnebres.

Não poupei a adolescência,
o coração magoado
e não soube que fazer
de mim fora das palavras.
Escrevi para desistir
e depender
e ter identidade.


in 'Erosão de Sentimentos'

Isabel de Sá nasceu em Esmoriz, concelho de Ovar, a 8 de setembro de 1951.

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2015-09-07

Canção da Partida - Camilo Pessanha

Ao meu coração um peso de ferro
Eu hei-de prender na volta do mar.
Ao meu coração um peso de ferro...
Lançá-lo ao mar.

Quem vai embarcar, que vai degredado,
As penas do amor não queira levar...
Marujos, erguei o cofre pesado,
Lançai-o ao mar.

E hei-de marcar um fecho de prata.
O meu coração é o cofre selado.
A sete chaves: tem dentro uma carta...
- A última, de antes do teu noivado.

A sete chaves - a carta encantada!
E um lenço bordado... Esse hei-de o levar,
Que é para o molhar na água salgada
No dia em que enfim deixar de chorar.


CAMILO de Almeida PESSANHA nasceu em Coimbra a 7 de Setembro de 1867 e morreu, tuberculoso, em Macau (China) a 1 de Março de 1926.

Ler neste blog, do mesmo autor:
Interrogação
Singra o navio. Sob a água clara
Castelo de Óbidos
Água Morrente
Fonógrafo
Desce em Folhedos Tenros a Colina
Estátua
Foi um dia de inúteis agonias
Quem poluiu quem rasgou os meus lençois de linho
Floriram por engano as rosas bravas
Caminho I
Ao longe os barcos de flores
Queda

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2015-09-06

Cuidei Que Tinha Morrido - Pedro Homem de Mello (na voz de Amália Rodrigues)

Ao passar pelo ribeiro
Onde às vezes me debruço
Fitou-me alguém, corpo inteiro
Dobrado como um soluço.

Pupilas negras, tão lassas,
Raízes iguais às minhas
Meu amor, quando me enlaças,
Porventura as adivinhas.
Meu amor, quando me enlaças.

Que palidez nesse rosto
sob o lençol do luar!
Tal e qual quem, ao sol-posto,
Estivera a agonizar

Deram-me então por conselho
Tirar de mim o sentido,
Mas depois, vendo-me ao espelho
Cuidei que tinha morrido.
Cuidei que tinha morrido.



Pedro da Cunha Pimentel Homem de Melo (Porto, 6 de setembro de 1904 — Porto, 5 de março de 1984)

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2015-09-04

VARIAÇÕES SOBRE UM PRÓLOGO - Luiz Bacellar


Em menino achei um dia
bem no fundo de um surrão
um frio tubo de argila
e fui feliz desde então;

rude e doce melodia
quando me pus a soprá-lo
jorrou límpida e tranquila
como água por um gargalo.

E mesmo que toda a gente
fique rindo, duvidando
destas estórias que narro,

não me importo: vou contente
toscamente improvisando
na minha frauta de barro.

É o tema recomeçado
na minha vária canção.


II

Jorre a módula toada
com seu churriante humor
que sempre com ar de magia
sai o canto do cantor.

Canto como u’a menina
colhendo amoras no mato
(com medo de estar sozinha)
num tom faceto e gaiato.


Se vires, leitor, o que há de
agreste no que aqui trouxe
com estas canções que colhi,

sentirás minha saudade
provando o gosto agridoce
das amoras que escolhi...

É o tema recomeçado
na minha vária canção.


III

Nos longes da infância paro;
Há uma inscrição sobre o muro:
Frauta clara, arroio escuro,
frauta escura, arroio claro.

E esse cavalo capenga?
E esse espelho espedaçado?
E a cabra? E o velho soldado?
E essa casa solarenga?

Tudo volta do monturo
da memória em rebuliço.
Mas tudo volta tão puro!...

E, mais puro que tudo isso,
essa anárquica inscrição
feita no muro a carvão.

São temas recomeçados
na minha vária canção.

Luiz Franco de Sá Bacellar (Manaus, 4 de setembro de 1928 - 9 de setembro de 2012

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2015-09-03

A verdade é que fomos - Raul de Carvalho

A verdade é que fomos
feitos do mesmo sangue
violento e humilde

A verdade é que temos
ambos a graça de compreender
todos os homens e todas as estrelas

A verdade é que Deus
nos ensinou
que este é o tempo da razão ardente.

Deus hoje deu-me um pouco
do que toda a vida lhe pedi
foi esta calma e simples aceitação
de que é preciso que estejas
longe de mim
para que amando eu possa conservar
o meu coração puro.

As ruas hoje pareciam mais largas
e mais claras

As casas e as pessoas
pareciam diferentes

Foi só o tempo de pedir a Deus
que prolongasse o generoso engano.

Tu ensinaste-me as palavras simples
as palavras belas
as palavras justas

E fizeste com que eu já não saiba
falar de outra maneira.

O amor substitui
o Sol — que tudo ilumina.

Sonhar contigo é quase como
saber que existo para além de mim.

Se basta que de mim te lembres
para que o sono facilmente venha
porque não hás-de dar-me amor a paz
com que o meu coração de há tanto tempo sonha

Vês como é tão simples
ter o coração
tão perto da terra
e os olhos nos olhos
e a alma tão perto
da tua alma

Por que será
que quanto mais repartimos
o coração
maior e mais nosso ele fica?

Raul Maria Penedo de Carvalho (n. em Alvito, Baixo Alentejo, a 4 de setembro de 1920; m. no Porto a 3 de setembro de 1984).

Ler do mesmo autor, neste blog:
X
Mesa da Solidão
Guio-me
Amíude
Quando eu nasci, minha Mãe
Coração Sem Imagens;
Serenidade És Minha

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Nothingandall: 11th Birthday


Este blog nasceu faz hoje 11 anos. Idade respeitosa para um blog. Pode-se dizer que já é um veterano...
10.277 mensagens publicadas, 1.586 comentários, 2.900.000 visitas e mais de 5.400.000 páginas vistas (dita o sitemeter, números que estão por defeito, uma vez que ultimamente este contador tem sofrido hiatos no funcionamento...)!

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2015-09-02

Retrato da Minha Cidade - Carlos Maul

RETRATO DA MINHA CIDADE
1946

Minha cidade verde, aberta às claridades
Que o céu derrama em turbilhão de estrelas,
Não me espicaçam pontas de saudades,
Nem existem motivos para tê-las..

É que eu te sinto em mim, tal como outrora
Ainda te vejo em teus primeiros dias,
Como a cantar numa perpétua aurora
De nossa infância as lindas melodias.

Ouço os passos da marcha dos pioneiros
Nas picadas da serra
Batem machados, tombam robles altaneiros,
E na queda um rumor se levanta
Como um grito de dor escapo da garganta
Da terra.

Ouço os passos da marcha dos pioneiros...
Lá vão eles, vão subindo, vão subindo,
Vão sofrendo, vão cantando, vão sorrindo,
Heróis sem nome, mas heróis porque os primeiros...
Quanto tempo durou a caminhada...
Chuva e sol, calmaria e tempestade,
Nada os deteve nessa ríspida escalada
Para a conquista da felicidade...

Dias rudes de sombra, os músculos retezos
No manejo da enxada e dos terçados,
Viveram eles ao trabalho escravizados,
mas alegres, à luz de um sonho presos.

Ouço os passos da marcha dos pioneiros...

Apenas a esperança os acompanha
Nessa dura ascensão. E como são ligeiros!...
E assim nasceu das mãos desses pioneiros
Minha linda cidade da montanha...
Escuto-lhes a voz nas marcha da subida...
Parece um canto-chão
De homens que vêm da morte para a vida
Cheios de fé no coração.

Oh! Minha cidade verde,
Não me emocionam as chaminés das tuas fábricas,
Nem a trepidação das tuas máquinas,
Nem os palácios que se escondem nos teus bosques
Envergonhados da própria opulência.
A civilização mudou tua fisionomia,
Deu-te outras formas, transformou-te as linhas,
Mas na minha fantasia
Continuas a ser a aldeia pequenina,


Fresca juvenil e perfumada,
Com ares de menina
Na verdura a correr de madrugada
Como ninfa nascida da neblina.

És mais formosa assim, e em tuas águas espelhas
Os perfis dos teus montes,
A sombra das tuas pontes,
Das tuas pontes vermelhas...
Vem-me às narinas o teu cheiro agreste,
E eu te vejo melhor nos teus traços antigos:
Uma candura, uma expressão celeste
Na carícia das mãos, nos afagos amigos...

E o mesmo luar com que iluminavas as estradas
Nas noites frias das tuas doces primaveras,
Sinto-o agora, talvez mais claro e mais risonho
Do que nos dias das fulgentes alvoradas
Em que eras
A verdadeira fonte do meu sonho...

Encantada visão do alto da serra
Em cujos fogos minha alma se incendeia,
És a mesma feiticeira
Que vinha, sorrateira,
Para apagar a luz dos lampeões da terra
Se no céu se acendia a lua cheia.

Ouço o canto orfeônico dos órgãos das tuas igrejas
Onde aprendi a crer...
Minha terra cristã dos meus primeiros anos,
Quero que nesses templos me revejas
Com teus bondosos frades franciscanos
Que me ensinaram a ler...

Ressurges das tuas brumas a meu lado,
Na macia brancura de inocente,
Ressoa em mim a voz desse passado,
Que de tão vivo está em mim presente.
Com ternura penetro-te os refolhos,
De tuas claridades me ilumino,
E suponho que em dias de menino
Roubei do céu o azul para os meus olhos.

De mil belezas te douras
Nesse esplêndido fulgor
Do teu eterno arrebol.
E em teu regaço entesouras,
- Cidade do meu amor –
Crianças fortes e louras,
De cabecinhas de sol...

Carlos Maul nasceu em 2 de setembro de 1887, em Petrópolis e faleceu em 13 de março de 1973

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2015-09-01

Poema aos Homens Constipados - António Lobo Antunes

imagem daqui

Pachos na testa, terço na mão,
Uma botija, chá de limão,
Zaragatoas, vinho com mel,
Três aspirinas, creme na pele
Grito de medo, chamo a mulher.
Ai Lurdes, Lurdes que vou morrer.
Mede-me a febre, olha-me a goela,
Cala os miúdos, fecha a janela,
Não quero canja, nem a salada,
Ai Lurdes, Lurdes, não vales nada.
Se tu sonhasses como me sinto,
vejo a morte nunca te minto,
Já vejo o inferno, chamas, diabos,
anjos estranhos, cornos e rabos,
Vejo demónios nas suas danças
Tigres sem listras, bodes sem tranças
Choros de coruja, risos de grilo
Ai Lurdes, Lurdes fica comigo
Não é o pingo de uma torneira,
Põe-me a Santinha à cabeceira,
Compõe-me a colcha,
Fala ao prior,
Pousa o Jesus no cobertor.
Chama o Doutor, passa a chamada,
Ai Lurdes, Lurdes nem dás por nada.
Faz-me tisanas e pão de ló,
Não te levantes que fico só,
Aqui sozinho a apodrecer,
Ai Lurdes, Lurdes que vou morrer.


António Lobo Antunes (nasceu em Lisboa a 1 de setembro de 1942).

Ler do mesmo autor, neste blog: Eu Quero Morrer no Mar

Aqui na voz de Vitorino:

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