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2015-04-30

Era já posto o sol... - Maciel Monteiro

Era já posto o sol. A natureza
Em ondas de perfume se banhava;
Aqui, pendia a rosa, além brilhava
Alguma flor de virginal pureza.

Nuvem sutil, de pálida tristeza,
Pelo cândido rosto lhe vagava.
Nas negras tranças do cabelo estava
Murcha e mais triste uma saudade presa.

Oh! pintor que a pintaste! Era mais bela
Que a lua deslumbrante de fulgores,
Surgindo dentre as sombras da procela!

Ao vê-la, aos meus olhos matadores,
Voou meu coração aos lábios dela,
Minh'alma ardente se banhou de amores.


António Peregrino Maciel Monteiro, barão de Itamaracá, nasceu no Recife (PE) a 30 de Abril de 1804 e morreu em Lisboa a 5 de Junho de 1868.

Ler do mesmo autor, neste blog: Formosa, qual pincel em tela...

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2015-04-29

Queria ser poeta - António Pereira (Apon)

Escrever a vida em versos,
reversos talvez!
Nem alegre nem triste.
Versar tudo que existe,
e aquilo que inexiste?
Num verso poder criar
Artífice das palavras inescritas,
das emoções benditas,
que fazem o coração sonhar.
Alquimista de uma nova educação,
uma recelebração.
um redescobrir o pensar
Um antialienante,
Anarquista quiçá!
Queria ser poeta!
Semeador de sentires e pensares
acordador de sonhos e realidades,
Perfumista da inspiração.
Despertar a poesia que dorme
nos hiatos dessas horas.
Horas que galopam sem arte,
atropelando a vida.


in Um Dedo de Prosa e Poesia, a Arte da Vida

Antonio Pereira Dias Neto nasceu em Salvador, Bahia, a 29 de abril de 1964

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2015-04-28

Terceiro Canto - Alberto de Oliveira

Cajás! Não é que lembra à Laura um dia
(Que dia claro! esplende o mato e cheira!)
Chamar-me para em sua companhia
Saboreá-los sob a cajazeira!

- Vamos sós? perguntei-lhe. E a feiticeira:
- Então! tens medo de ir comigo? - E ria.
Compõe as tranças, salta-me ligeira
Ao braço, o braço no meu braço enfia.

- Uma carreira! - Uma carreira! - Aposto!
A um sinal breve dado de partida,
Corremos. Zune o vento em nosso rosto.

Mas eu me deixo atrás ficar, correndo,
Pois mais vale que a aposta da corrida
Ver-lhe as saias a voar, como vou vendo.


Antônio Mariano Alberto de Oliveira (n. em Palmital de Saquarema (RJ) a 28 de Abril de 1857; m. em Niterói (RJ) em 19 de Janeiro de 1937).

Ler do mesmo autor, neste blog:
A Alma Dos Vinte Anos
Vaso Chinês
Beijos do Céu
Aspiração
A Vingança da Porta
Horas Mortas

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2015-04-27

Noturno nº 1 - Cassiano Nunes


Nunca me sinto pobre,
ao contemplar as estrelas.

Qualquer doido
(eu)
possui
o latifúndio do céu.

Aguardente negra e gratuita
a noite me embriaga.

Sonho melhor
acordado.

Cassiano Nunes (n. em Santos, 27 de abril de 1921 - m. Brasília 15 de outubro de 2007)

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2015-04-26

Caranguejola - Mário de Sá-Carneiro

Ah, que me metam entre cobertores,
E não me façam mais nada!...
Que a porta do meu quarto fique para sempre fechada,
Que não se abra mesmo para ti se tu lá fores!

Lã vermelha, leito fofo. Tudo bem calafetado...
Nenhum livro, nenhum livro à cabeceira...
Façam apenas com que eu tenha sempre a meu lado
Bolos de ovos e uma garrafa de Madeira.

Não, não estou para mais; não quero mesmo brinquedos.
Pra quê? Até se mos dessem não saberia brincar...
Que querem fazer de mim com estes enleios e medos?
Não fui feito pra festas. Larguem-me! Deixem-me sossegar!...

Noite sempre plo meu quarto. As cortinas corridas,
E eu aninhado a dormir, bem quentinho– que amor!...
Sim: ficar sempre na cama, nunca mexer, criar bolor –
Plo menos era o sossego completo... História! Era a melhor das vidas...

Se me doem os pés e não sei andar direito,
Pra que hei-de teimar em ir para as salas, de Lord?
Vamos, que a minha vida por uma vez se acorde
Com o meu corpo, e se resigne a não ter jeito...

De que me vale sair, se me constipo logo?
E quem posso eu esperar, com a minha delicadeza?...
Deixa-te de ilusões, Mário! Bom édredon, bom fogo –
E não penses no resto. É já bastante, com franqueza...

Desistamos. A nenhuma parte a minha ânsia me levará.
Pra que hei-de então andar aos tombos, numa inútil correria?
Tenham dó de mim. Co'a breca! levem-me prá enfermaria! –
Isto é, pra um quarto particular que o meu Pai pagará..

Justo. Um quarto de hospital, higiénico, todo branco, moderno e tranquilo;
Em Paris, é preferível, por causa da legenda...
De aqui a vinte anos a minha literatura talvez se entenda;
E depois estar maluquinho em Paris fica bem, tem certo estilo...

Quanto a ti, meu amor, podes vir às quintas-feiras,
Se quiseres ser gentil, perguntar como eu estou.
Agora no meu quarto é que tu não entras, mesmo com as melhores maneiras...
Nada a fazer, minha rica. O menino dorme. Tudo o mais acabou.

in “Últimos Poemas”, Paris, Novembro 1915

Mário de Sá-Carneiro (n. Lisboa, 19 de Maio de 1890; m. em Paris, 26 de Abril de 1916 -suicídio).

Ler do mesmo autor neste blog:
Fim
Crise Lamentável
Escavação
Ápice
Além-Tédio
Quasi
Dispersão
I lost myself within myself... (tradução parcial do poema Dispersão)
Último Soneto
A Queda
IX - Como eu não possuo

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2015-04-24

Aspiração - Zeferino Brazil

Ser pedra! Não sofrer nem amar, que ventura!
Excelsa aspiração que merece um poema!
Ser pedra e ter da pedra a consistência dura,
que resiste do tempo à corrupção extrema!

Alma! Sopro de luz que me anima e depura,
antes tu fosses pedra: um diamante, uma gema,
não te seria a vida esta insana loucura,
esse eterno aspirar à perfeição suprema!

Homem, não mudarás! És homem, serás homem
lama vil animada, onde vive e onde medra
a venenosa flor das mágoas que consomem.

Homem sempre serás, imperfeito e corrupto. . .
E melhor é ser pedra e viver como pedra,
que ser homem assim e viver como um bruto!...


Zeferino Antônio de Souza Brazil, nasceu em 24 de abril de 1870, em Porto Grande, Taquari, Rio Grande do Sul e faleceu em Porto Alegre, Rio Grande do Sul a 3 de outubro de 1942.

Ler do mesmo autor, neste blog:
Formosura Ideal;
Mãe Natureza;
Na Alcova
Os Torturados.

Zelos

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2015-04-23

A MÃO ENORME - Jorge de Lima

Dentro da noite, da tempestade,
a nau misteriosa lá vai.
O tempo passa, a maré cresce,
O vento uiva.
A nau misteriosa lá vai.
Acima dela
que mão é essa maior que o mar?
Mão de piloto?
Mão de quem é?
A nau mergulha,
o mar é escuro,
o tempo passa.
Acima da nau
a mão enorme
sangrando está.
A nau lá vai.
O mar transborda,
as terras somem,
caem estrelas.
A nau lá vai.
Acima dela
a mão eterna
lá está.


Jorge Matheus de Lima (n. em União de Palmares, Alagoas a 23 de abril de 1893, m. no Rio de Janeiro a 15 de novembro de 1953)

O Acendedor de Lampiões
Poema 17 de Invenção de Orfeu
Este Poema de Amor Não é Lamento
Distribuição Da Poesia
O Mundo do Menino Impossível
Minha Sombra

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2015-04-22

O Sul - Ruy Duarte de Carvalho


O sol o sul o sal
as mãos de alguém ao sol
o sal do sul ao sol
o sol em mãos do sul
e mãos de sal ao sol

O sal do sul em mãos de sol
e mãos de sul ao sol

um sol de sal ao sul
o sol ao sul
o sal ao sol
o sal o sol
e mãos de sul sem sol nem sal

Para quando enfim amor
no sul ao sol
uma mão cheia de sal?

In: Ruy Duarte de Carvalho. A Decisão da Idade. Luanda, União dos escritores Angolanos, 1976

Ruy Alberto Duarte Gomes de Carvalho nasceu em Santarém, Portugal a 22 de abril de 1941, naturalizado angolano faleceu em Swakopmund, Namíbia, em agosto de 2010.

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2015-04-21

IX - A Águia - Sílvio Romero

Falar com as nuvens que só têm segredos,
Falar com os astros que só têm mistérios,
— Foi sempre, águia sublime, o teu portento,
Mas dar às almas fortes novas forças,
Mais anelos, mais vida, mais grandezas,
Eis teu brilho supremo. Sempre altiva,
Pode nos corações novos abismos
Cavar terríveis, grandiosos, santos,
Tua vida selvage' impregnada
De etérea embriaguez. De sobre o cimo
Do monte alcantilado, onde repousas,
Nutre o teu pensamento enfastiado
Sede de ver o sol. Podes fitá-lo,
Podes beber mais brilho, e novos ímpetos
Sentir teu peito de heroísmos cheio.
Sim: dá-nos este exemplo: com fulgores
Nutrir a alma que definha e se aniquila
Tragada do negror que a sorte aninha.
Te insulta a tempestade; e arde a luta
Em que entras como atleta sobranceiro,
Mostrando na asa o teu problema escrito,
E nas garras o enigma da vida!
(...)

In: ROMERO, Sílvio. Cantos do fim do século, 1869/1873. Rio de Janeiro: Tip. Fluminense, 1878

Sílvio Vasconcelos da Silveira Ramos Romero nasceu na cidade do Lagarto, Sergipe, a 21 de abril de 1851. Faleceu no Rio de Janeiro a 18 de junho de 1914.

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2015-04-20

Os alemães afinal não são muito diferentes dos portugueses...

O Bayern de Munique perdeu estrondosamente no Dragão no jogo da 1ª. mão dos quartos de final da Champions League. Dois erros clamorosos dos "eficazes" defesas e com dois roubos de bola de Jackson Martinez e Quaresma estava feito o 2-0 antes dos dez minutos!!!

Recompuseram-se os visitantes a meio da primeira parte e conseguiram reduzir para 2-1 mas uma segunda parte soberba do FC Porto acrescentou mais um golo à diferença traduzindo um resultado que arrasta muitas esperanças para o jogo de amanhã.

Mas não foi para fazer a crónica do jogo nem as perspectivas da eliminatória que me trazem aqui. Antes foi, como o título indica para associar coisas negativas que pensamos ser especialidade nossa e que, afinal, também são partilhadas pelos "poderosos" alemães. No campeonato do Mundo a selecção portuguesa foi cilindrada pelas Alemanha; acabámos por ser eliminados ainda na fase de grupos enquanto os alemães foram campeões do mundo. Se se lembram o principal resultado foi a demissão da equipa médica porque a selecção portuguesa tinha muita gente com fraca forma física (muitos vinham de lesões e foram seleccionados!)...

Pois o que fizeram os alemães do Bayern no rescaldo do jogo da 1ª. mão? O staff médico demitiu-se (ou foi demitido?). Por sua vez o treinador do Bayern que, aliás tal como o do Porto, é espanhol vem com uma letra sobre o Jackson - que teria jogado infiltrado - porque foi bem enganado e não esperava que ele jogasse e em condições tais que fez uma grande exibição. Conclusão, afinal os médicos portugueses são bem melhores...

Os muito poderosos também cometem erros como os portuguesinhos ou são os portugueses que também sabem (não tão frequentemente como seria desejável obviamente) com a sua astúcia, inteligência mas também vontade e capacidade, vencer os poderosos?

PS: Espero não ter de rever este post daqui a cerca de 24 horas. Para além de não ter trabalho adicional seria, certamente, um bom sinal!

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Primeiro amor - Adília Lopes

Gostava muito dele
mas nunca lhe disse isso
porque a minha criada tinha-me avisado
se gostar de um rapaz
nunca lhe diga que gosta dele
se diz
ele faz pouco de si para sempre
os rapazes são maus
eu não era bela
nem sabia quem tinha pintado os Pestíferos de Java
resolvi assim escrever-lhe cartas anónimas
escrevia o rascunho num caderno pautado
não sei hoje o que escrevia
mas sei que nunca escrevi
gosto muito de ti
e depois pedia a uma rapariga muito bonita
que passasse as cartas a limpo
eu acreditava que quem tinha uns cabelos
assim loiros e a pele fina
devia ter uma letra muito melhor que a minha
agora que conto isto
vejo que deixo muitas coisas de fora
por exemplo que o meu primeiro amor
não foi este mas o Paulo
o irmão da rapariga bonita


Adília Lopes é o pseudónimo literário de Maria José da Silva Viana Fidalgo de Oliveira, nascida em Lisboa a 20 de Abril de 1960.

Da mesma autora: Arte poética

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2015-04-17

Divagações II - Fernando Semana



Sentei-me, pedi um café. Distraidamente, olhava para o espelho e por via indirecta via quem entrava, com azáfama ou quem apenas parecia querer passar as horas e sorria. O que passou as horas à espera dum momento de atenção, sem qualquer sorriso ou reflexão de sentimento - a não ser, porventura, o pedido de lhe ser tomado o gosto - foi o café, entretanto, na mesa posto, ali mesmo ao pé…

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Boletim - Miguel Torga

Coimbra, 17 de Abril de 1969

Tarde limpa,
De pureza comungada.
No rio, corre, parada,
a paisagem reflectida;
Há não sei que voz traída
No silêncio do que é mudo;
A luz parece despida;
E uma alegria incontida
Sorri no rosto de tudo.

in Diário XI 1973
Extraído de Miguel Torga, Poesia Completa, Publicações Dom Quixote

Miguel Torga

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2015-04-16

Divagações

Lembro-me do dia em que comi pela primeira vez um figo. Em outro, uma romã. Que beleza! Que arquitectura! Que poesia... Bastou-me comer um figo, numa manhã de certo dia, uma romã. Fiquei com a certeza e ainda a sensação perdura - que perigo! - de que agradeceria à Natureza ter nascido só para saborear a romã e o figo... Porém, hoje suspiro por um dióspiro. Conheço um amigo que sei que escolheria antes uma laranja e aquela rapariga, ali, de franja!...

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A espantosa realidade das cousas - Alberto Caeiro

A espantosa realidade das cousas
É a minha descoberta de todos os dias.
Cada cousa é o que é,
E é difícil explicar a alguém quanto isso me alegra,
E quanto isso me basta.
Basta existir para se ser completo.
Tenho escrito bastantes poemas.
Hei de escrever muitos mais, naturalmente.
Cada poema meu diz isto,
E todos os meus poemas são diferentes,
Porque cada cousa que há é uma maneira de dizer isto.
Às vezes ponho-me a olhar para uma pedra.
Não me ponho a pensar se ela sente.
Não me perco a chamar-lhe minha irmã.
Mas gosto dela por ela ser uma pedra,
Gosto dela porque ela não sente nada.
Gosto dela porque ela não tem parentesco nenhum comigo.
Outras vezes oiço passar o vento,
E acho que só para ouvir passar o vento vale a pena ter nascido.
Eu não sei o que é que os outros pensarão lendo isto;
Mas acho que isto deve estar bem porque o penso sem estorvo,
Nem idéia de outras pessoas a ouvir-me pensar;
Porque o penso sem pensamentos
Porque o digo como as minhas palavras o dizem.
Uma vez chamaram-me poeta materialista,
E eu admirei-me, porque não julgava
Que se me pudesse chamar qualquer cousa.
Eu nem sequer sou poeta: vejo.
Se o que escrevo tem valor, não sou eu que o tenho:
O valor está ali, nos meus versos.
Tudo isso é absolutamente independente da minha vontade.

 Alberto Caeiro* (nasceu em 16 de Abril de 1889, em Lisboa. Órfão de pai e mãe, não exerceu qualquer profissão e estudou apenas até à 4ª classe. Viveu grande parte da sua vida pobre e frágil no Ribatejo, na quinta da sua tia-avó idosa, e aí escreveu O Guardador de Rebanhos e depois O Pastor Amoroso. Voltou no final da sua curta vida para Lisboa, onde escreveu Os Poemas Inconjuntos, antes de morrer de tuberculose, em 1915, quando contava apenas vinte e seis anos) biografia daqui

* um dos heterónimos de Fernando Pessoa

Ler de Alberto Caeiro, neste blog:
Passei toda a noite
Li hoje quase duas páginas
Quando Vier a Primavera
O Guardador de Rebanhos- Poema II - O Meu Olhar
O Quê? Valho Mais Que Uma Flor
Para Além da Curva da Estrada
O Guardador de Rebanhos - Poema X
O Tejo é Mais Belo ...

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2015-04-15

Balada de Sempre - Fernando Namora

Espero a tua vinda
a tua vinda,
em dia de lua cheia.

Debruço-me sobre a noite
a ver a lua a crescer, a crescer...

Espero o momento da chegada
com os cansaços e os ardores de todas as chegadas...

Rasgarás nuvens de ruas densas,
Alagarás vielas de bêbados transformadores.
Saltarás ribeiros, mares, relevos...
- A tua alma não morre
aos medos e às sombras!-

Mas...,
Enquanto deixo a janela aberta
para entrares,
o mar,
aí além,
sempre duvidoso,
desenha interrogações na areia molhada...


in Relevos

Fernando Namora (n. em Condeixa a 15 de Abril de 1919; m. em Lisboa a 31 Jan. 1989)

Ler do mesmo autor, neste blog:
Poema 8: Vem Cassilda olhar a madrugada que rompe
Intimidade
Poema Cansado de Certos Momentos
Poema da Utopia
Coisas, Pequenas Coisas
Noite

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2015-04-14

AO NASCER DO LUAR - Raimundo Peres

Alta noite vagueio qual fantasma errante
Nas ruas de Alenquer em letargo sombrio,
Até que surja o Sol, em pompas, no levante
Glorificando a terra, iluminando o rio.

Como um seio de virgem alvo e palpitante
Derramando o lençol do luar alvadio,
Surge a deusa da Noite ao longe triunfante,
Dominando a, extensão ao caminho vazio...

Velam mochos horrendos no alto da matriz,
Rolam gritos humanos, rompem pela praça
Os fantasmas da Morte espreitando o Universo,

Enquanto a Musa chora o destino infeliz
Duma vida infeliz que a mão divina traça
Dentro do coração, no cárcere do Verso...

(Alenquer, 1922).

Raimundo Peres, poeta nascido em Alenquer, Pará, em 14 de abril de 1902 e falecido em Belém, Pará, em 2 de junho de 1926

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2015-04-13

A Forquilha - Seamus Heaney


Era a forquilha, de todas as alfaias,
A mais parecida com a perfeição imaginada:
Quando apertava a mão erguida e apontava
Ele sentia-a certeira e leve, como um dardo.

Brincasse, então, de atleta ou de guerreiro,
Ou trabalhasse a sério na palha e no suor,
Ele adorava-lhe a textura, a cor do freixo
Da fina haste acetinada pelo uso.

Aço batido, madeira ao torno, lustre, toque
Do que é suave, recto, brando, luzente e esguio,
Suado, afiado, calibrado, posto à prova.
Em dinâmica tensão, presto e exacto.

E se ele pensava numa sonda nos confins,
Via o cabo de uma forquilha navegando.
Serena, imperturbável pelo espaço,
Estrelas nas pontas e em silêncio absoluto...

Mas aprendeu enfim a seguir tão simples pista
além do seu alcance, para um outro lado
Onde a perfeição - ou quase isso - se imagina
Na mão a abrir, que não a apontar.

Trad. Rui Carvalho Homem

in Rosa do mundo 2001 poemas para o futuro
Assírio & Alvim

Seamus Justin Heaney nasceu em 13 de abril de 1939 em Castledawson, Irlanda do Morte e faleceu a 30 de agosto de 2013

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2015-04-12

Mãe-Terra - Costa Andrade



Terra vermelha do Lépi és minha mãe

Mãe-Terra que aos filhos dá
mais do que a vida uma razão

Razão de águia
águia transformada
no soba dos espaços
e das espinheiras cruas.

Terra vermelha do Lépi
calma sombra das mangueiras
sobre o chão vermelho
rocha negra do saber de ferro
a água sabe à voz materna

Águia de pedra
embala onde sentaram
régios Mussindas de vento
em gerações de luar
gritando ao vale profundo
aos muxitos
e ás mulembas velhas
a superfície larga do barro
do corpo negro dos filhos

A terra é sempre a mesma
o resto dirão os homens!

Francisco Fernando da Costa Andrade nasceu Lépi, Huambo, Angola a 12 de abril de 1936; faleceu em Lisboa, a 18 de Setembro de 2009

Da mesma autoria:
Dádiva
Autobiografia

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2015-04-10

Crepuscular - Sebastião da Gama



imagem daqui

Já não são horas, meu Amor…
A hora
passou
em que era grato a gente amar.
É um querer de Irmão este de agora.
Nem a Tarde
é já o cravo rubro de inda há pouco:
é um murmúrio quase… um lírio inexistente
dulcificando as coisas, perfumando-as
de carinhos…

Não é a hora, Amor.
Agora
deixa sorrir em nós a peregrina
ternura da Paisagem.
Não desprendas as mãos
das minhas…

Abandona-as, mas castas como berços…
E beija-me na testa…
Quando a Noite
mansa vier vindo,
Amor, beija de manso a minha testa…
De manso, meu Amor…
Como se o lírio da Tarde se fechasse…

Extraído de Cem Poemas Portugueses do Adeus e da Saudade, selecção, organização e introdução de José Fanha e José Jorge Letria, Terramar

Sebastião Artur Cardoso da Gama (n. em Vila Nogueira de Azeitão, Setúbal, a 10 de Abril de 1924; m. em Lisboa a 7 de Fevereiro de 1952)


Do mesmo autor ler, neste blog:
Louvor da Poesia
Largo do Espírito Santo, 2 - 2º
Nasci Para Ser Ignorante
Pequeno Poema
O Sonho
Madrigal
Poema da Minha Esperança
Anunciação
Meu País Desgraçado

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2015-04-06

Post Scriptum - Henrique Segurado

Por baixo das tílias
Há sombras, raízes.
Se escavarmos mais:
Palácios e casas
E lá mais no fundo:
Cidades, países,
Reis, imperatrizes
E formigas de asas…

Debaixo das tílias
Crescem os jacintos,
Os bicos de lacre
Mais os flamingos.
Debaixo das tílias
Mandam os instintos.
Debaixo das tílias
É sempre domingo!


Henrique Jorge Segurado Pavão (n. Lisboa, 6 de abril de 1930)

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2015-04-02

SONETOS DE ABRIL (VIII) - Ruth Maria Chaves

Pelas veredas lentas desse abril
chegarás, companheiro dos crepúsculos,
e silêncio tão vasto vinga em ti
que o azul retém seus pássaros mais bruscos.

Como ficaste em mim, de mim ausente!
Que constância de ti é meu socorro
agora (é mais que amor) que és dom e és tempo
e de tempo e de adeus se fez teu ouro.

Astro livrado às vastidões, mas fixo
aceso em sombras pelo céu se esbate
teu rosto irreversível, quase um signo,

que além do tempo tange eternidades.
Somos sombras de nós, abris remotos,
e as horas entardecem nos teus olhos.


poema extraído daqui

Ruth Maria Chaves de Oliveira Martins nasceu a 2 de abril de 1934 em Belém do Pará e faleceu em 30 de maio de 2013, em Campos,

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2015-04-01

AS ESTRELAS - Faustino Fonseca

Da minha alegre janela
Vejo uma nesga do céu;
É noite serena, bela,
Espaireço o olhar meu,

A contemplar as estrelas
Que cintilam diamantinas,
Recorda-me sempre ao vê-las
Tuas graças peregrinas.

Que queres, pois se te não vejo,
Como outrora, na varanda
Trocando frases amantes?

Por isso mando-te um beijo
Na brisa suave, branda,
Fitando os astros brilhantes.


Lisboa, 1891

(ortografia atualizada)

in LYRA DA MOCIDADE (Primeiros versos)
Angra do Heroismo 1892

Faustino da Fonseca (Angra do Heroísmo, 1 de abril de 1871 — Lisboa, 22 de outubro de 1918)

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