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2014-11-28

Dorme, pião, dorme - Campos de Figueiredo

Dorme, pião, dorme
Dorme no sobrado...
Tu dormes em pé,
Eu durmo deitado.

Dorme e sonha alto,
Meu pião de buxo...
Sonha-te, encantado
À beira do lago...

- Ao meio o repuxo.-
Dorme sonha a brisa
Que te afaga as folhas,
Na manhã macia,
Que dormindo sonhas.
Dorme pião amigo
Que eu sonho contigo!


in O Poema da Inocência

José Campos de Figueiredo nasceu em Cernache (Coimbra) a 6 de maio de 1899 e faleceu em Coimbra a 29 de novembro de 1965.

Ler do mesmo autor:
Tela Íntima
Sonho
Momento Lírico
O Milagre das Rosas
Autocrítica
Fingimento





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2014-11-27

O Outono - Soares de Passos

Eis já o lívido Outono
Pesa o manto nas florestas;
Cessaram as brandas festas
De natureza louçã.
Tudo aguarda o frio Inverno;
Já não há cantos suaves
Do montanhês e das aves,
Saudando a luz da manhã.

Tudo ê triste! Os verdes montes
Vão perdendo os seus matizes,
As veigas e os dom felizes,
Tesouro dos seus casais;
Dos crestados arvoredos
A folha seca e mirrada,
Cai ao sopro da rajada,
Que anuncia os vendavais.

Tudo é triste! e o seio triste
Comprime-se a este aspecto;
Não sei que pesar secreto
Nos enluta o coração.
É que nos lembra o passado
Cheio de viço e frescura,
E o presente sem verdura
Como a folhagem do chão.

Lembra-nos cada esperança
Pelo tempo emurchecida,
Mil áureos sonhos da vida
Desfeitos, murchos também;
Lembram-nos crenças fagueiras
Da inocência doutra idade,
Mortas à luz da verdade,
Criadas por nossa mãe.

Lembram-nos doces tesouros
Que tivemos, e não temos;
Os amigos que perdemos,
A alegria que passou;
Lembram-nos dias da infância,
Lembram-nos ternos amores,
Lembram-nos todas as flores
Que o tempo à vida arrancou.

E depois assoma o inverno.
Que lembra o gelo da morte,
Das amarguras da sorte
Última gota fatal…
É por isso que estes dias
Da natureza cadente,
Brilham n’alma tristemente
Como um círio funeral.

Mas ânimo! após a quadra
De nuvens e de tristeza,
Despe o luto a natureza,
Revive cheia de luz:
Após o inverno sombrio
Vem a flórea primavera,
Que novos encantos gera,
Nova alegria produz.

Os arvoredos despidos
Se revestem de folhagem;
Ao sopro da branda aragem
Rebenta no campo a flor:
Tudo ao vê-la se engrinalda,
Tudo se cobre de relva,
E as avezinhas na selva
Lhe cantam hinos d’amor.

Ânimo pois! como à terra,
Também à nua existência
Vem, após a decadência,
Às vezes tempo feliz;
E a vida gelada, estéril,
Que o sopro da morte abala,
Desperta cheia de gala,
Cheia de novo matiz.

Ânimo pois! e se acaso
Nosso destino inclemente,
Em vez de jardim florente,
Nos aponta o mausoléu;
Se a primavera do mundo
Já morreu, já não se alcança,
Tenhamos inda esperança
Na primavera do Céu!


António Augusto Soares de Passos (Porto, 27 de novembro de 1826 – Porto, 8 de fevereiro de 1860)

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2014-11-26

you are welcome to elsinore - Mário Cesariny

Entre nós e as palavras há metal fundente
entre nós e as palavras há hélices que andam
e podem dar-nos morte violar-nos tirar
do mais fundo de nós o mais útil segredo
entre nós e as palavras há perfis ardentes
espaços cheios de gente de costas
altas flores venenosas portas por abrir
e escadas e ponteiros e crianças sentadas
à espera do seu tempo e do seu precipício

Ao longo da muralha que habitamos
há palavras de vida há palavras de morte
há palavras imensas, que esperam por nós
e outras, frágeis, que deixaram de esperar
há palavras acesas como barcos
e há palavras homens, palavras que guardam
o seu segredo e a sua posição

Entre nós e as palavras, surdamente,
as mãos e as paredes de Elsenor
E há palavras nocturnas palavras gemidos
palavras que nos sobem ilegíveis à boca
palavras diamantes palavras nunca escritas
palavras impossíveis de escrever
por não termos connosco cordas de violinos
nem todo o sangue do mundo nem todo o amplexo do ar
e os braços dos amantes escrevem muito alto
muito além do azul onde oxidados morrem
palavras maternais só sombra só soluço
só espasmo só amor só solidão desfeita

Entre nós e as palavras, os emparedados
e entre nós e as palavras, o nosso dever falar


Mário Cesariny de Vasconcelos (n. em Lisboa a 9 de agosto de 1923; m. em Lisboa a 26 de novembro de 2006)

Ler do mesmo autor neste blog:
Outra coisa
Em todas as ruas te encontro
Pastelaria
história de cão

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2014-11-25

Carácter, Ideias e Moral - Eça de Queiroz

Aos políticos, menos liberalismo e mais caráter.
Aos homens de letras, menos eloquência e mais ideias.
Aos cidadãos em geral, menos progresso e mais moral.


José Maria de Eça de Queirós nasceu na Póvoa de Varzim, a 25 de novembro de 1845 e faleceu em Paris a 16 de agosto de 1900

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2014-11-24

Inefável - Cruz e Sousa

Nada há que me domine e que me vença
Quando a minha alma mudamente acorda...
Ela rebenta em flor, ela transborda
Nos alvoroços da emoção imensa.

Sou como um Réu de celestial sentença,
Condenado do Amor, que se recorda
Do Amor e sempre no Silêncio borda
De estrelas todo o céu em que erra e pensa.

Claros, meus olhos tornam-se mais claros
E tudo vejo dos encantos raros
E de outras mais serenas madrugadas!

Todas as vozes que procuro e chamo
Ouço-as dentro de mim porque eu as amo
Na minha alma volteando arrebatadas


João da Cruz e Sousa nasceu em Desterro, hoje Florianópolis (SC), a 24 de Novembro de 1861 e faleceu na Estação de Sítio (MG) a 19 de Março de 1898.

Ler do mesmo autor:
Antífona
Vida Obscura
Silêncios
Sorriso Interior
Violões que Choram
Ironia de Lágrimas
O Assinalado
Inefável
Sorriso Interior
Monja

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2014-11-21

Não faz mal - Eduardo White

Voar é uma dádiva da poesia.
Um verso arde na brancura aérea do papel,
toma balanço,
não resiste.

Solta-se-lhe
o animal alado.
Voa sobre as casas,
sobre as ruas,
sobre os homens que passam,
procura um pássaro
para acasalar.

Sílaba a sílaba
o verso voa.

E se o procurarmos? Que não se desespere, pois nunca o iremos encontrar. Algum sentimento o terá deixado pousar, partido com ele. Estará o verso connosco? Provavelmente apenas a parte que nos coube. Aquietemo-nos. Amainemo-nos esse desejo de o prendermos.

Não é justo um pássaro
onde ele não pode voar.


in Poemas da Ciência de Voar e da Engenharia de Ser Ave, 1992

Eduardo Luís de Menezes Costley-White, nasceu em Quelimane, Moçambique, a 21 de novembro de 1963 e faleceu em Maputo a 24 de agosto de 2014

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2014-11-20

A menina - Nâzim Hikmet

Sou eu que bato às portas,
às portas, umas após outras.
Sou invisível aos vossos olhos.
Os mortos são invisíveis.

Morta em Hiroxima
há mais de dez anos,
sou uma menina de sete anos.
As crianças mortas não crescem.
Primeiro arderam os meus cabelos,
também os olhos arderam, ficaram calcinados.
Num instante fiquei reduzida a um punhado de cinzas
que se espalharam ao vento.

No que diz respeito a mim,
nada vos imploro:
não podia comer, nem sequer bombons,
a criança que ardeu como papel.

Bato à vossa porta, tio, tia:
uma assinatura. Não matem as crianças


(Tradução de Rui Caeiro)

Nâzım Hikmet Ran (n. 20 de novembro de 1901 Salonica, Império Otomano (hoje Salónica, Grécia) – m. 3 de junho 1963 em Moscovo, então URSS).

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2014-11-18

Neste preciso tempo, neste preciso lugar - Manuel António Pina

No princípio era o Verbo
(e os açúcares
e os aminoácidos).
Depois foi o que se sabe.
Agora estou debruçado
da varanda de um 3° andar
e todo o Passado
vem exactamente desaguar
neste preciso tempo, neste preciso lugar,
no meu preciso modo e no meu preciso estado!

Todavia em vez de metafísica
ou de biologia
dá-me para a mais inespecífica
forma de melancolia:
poesia nem por isso lírica
nem por isso provavelmente poesia.
Pois que faria eu com tanto Passado
senão passar-lhe ao lado,
deitando-lhe o enviesado
olhar da ironia?

Por onde vens, Passado,
pelo vivido ou pelo sonhado?
Que parte de ti me pertence,
a que se lembra ou a que esquece?
Lá em baixo, na rua, passa para sempre
gente indefinidamente presente,
entrando na minha vida
por uma porta de saída
que dá já para a memória.
Também eu (isto) não tenho história
senão a de uma ausência
entre indiferença e indiferença.


Manuel António Pina (nasceu em 18 de Nov. 1943 no Sabugal, faleceu em 19 de outubro de 2012)

in Poesia Reunida, Assirio & Alvim, Lisboa, 2001.

Ler do mesmo autor, neste blog:
Completas
Uma Sombra
Lugares da Infância
Amor como em casa
Café do Molhe
Saudade da Prosa

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2014-11-17

Para Ser Lido Mais Tarde - Mário Dionísio

Auto-retrato de Mário Dionísio 1945



Um dia
quando já não vieres dizer-me Vem
jantar.

quando já não tiveres dificuldade
em chegar ao puxador
da porta quando

já não vieres dizer-me Pai
vem ver os meus deveres

quando esta luz que trazes nos cabelos
já não escorrer nos papéis em que trabalho

para ti será o começo de tudo

Uma outra vida haverá talvez para os teus sonhos
um outro mundo acolherá talvez enfim a tua oferenda

Hás-de ter alguma impaciência enquanto falo
Ouvirás com encanto alguém que não conheço
nem talvez ainda exista neste instante

Mas para mim será já tão frio e já tão tarde

E nem mesmo uma lembrança amarga
ou doce ficará
desta hora redonda
em que ninguém repara

1953
in O Silêncio Voluntário, 1966

Extraído de Poemas Portugueses - Antologia da Poesia Portuguesa do Séc. XIII ao Séc. XXI, Selecção, organização, introdução e notas Jorge Reis-Sá e Rui Lage, Porto Editora

Mário Dionísio (Lisboa, 16 de Julho de 1916 - Lisboa, 17 de Novembro de 1993)

Do mesmo autor:
Depois de Mim
Deitei agora mesmo o açucar no cinzeiro
Complicação

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2014-11-16

Espaço curvo e finito - José Saramago

Oculta consciência de não ser,
Ou de ser num estar que me transcende,
Numa rede de presenças e ausências,
Numa fuga para o ponto de partida:
Um perto que é tão longe, um longe aqui.
Uma ânsia de estar e de temer
A semente que de ser se surpreende,
As pedras que repetem as cadências
Da onda sempre nova e repetida
Que neste espaço curvo vem de ti.


José de Sousa Saramago (n. em 16 Nov. 1922 na Azinhaga do Ribatejo; faleceu a 18 de Junho de 2010 em Tías, Lanzarote)

Ler do mesmo autor:
Aprendamos Amor
Não Me Peçam Razões
Retrato do Poeta Quando Jovem

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2014-11-15

Poema 17 (de Invenção do Orfeu) - Jorge de Lima

E esse rebanho de bezerros, cedo
recomeça constante sua estrada.
As horas moribundas já curvadas
deslizam nos ossuários. Tenho medo.

Ó vida tão confusa e tão lidada,
ó sombra tão compacta e tão rochedo,
de mim que choro que é que resta? Nada
e nada e nada mais do que antecedo.

Antecedo-me, esbarro-me em mim mesmo.
Filiei-me à eternidade sem querer,
e agora vago como se vaga a esmo.

Verto-me em ilha, vejo-me nascer,
retiro dessa ilharga verdadeira
a minha perdição por companheira.


Jorge Mateus de Lima (União dos Palmares, 23 de abril de 1893 — Rio de Janeiro, 15 de novembro de 1953)

Ler do mesmo autor:
Minha Sombra
O Acendedor de Lampiões
Este Poema de Amor Não é Lamento
Distribuição Da Poesia
O Mundo do Menino Impossível

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2014-11-14

O SEGREDO DESTAS LÁGRIMAS - Júlio Dinis

Quem te disse o segredo destas lágrimas,
Pra assim me consolares?
Quem te disse que a dor que me angustiava
Cedia aos teus olhares?

Criança, onde aprendeste essa ciência,
Ignorada de tantos?
Algum anjo do Céu é quem te inspira
Do conforto os encantos?

Oh! Vem, vem junto a mim com os teus sorrisos
Livrar-me destas trevas,
Rir-te do meu ar lúgubre, falar-me,
Vem, que só tu me enlevas.

Protegido por ti em círculo mágico,
Desafio a tristeza,
Que onde a infância se mostra tudo folga,
Homens e natureza;

Para ti, para a tua idade descuidosa
Semeou Deus as flores,
Deu-te o cantar das aves por cortejo,
Deu-te o Céu por amores.

Vem, pois, os teus cabelos de ouro puro
A pousar-me na cara,
Como os raios do Sol cingindo as serras
Ao surgir no horizonte.

Vem, que junto de ti nem compreendo
Estes falsos tormentos;
Mensageira celeste, sê bem-vinda,
Longe meus pensamentos!

Quando, baixando o rosto, os olhos pousam
Em sorrisos de infantes,
Esquece-se o infortúnio, os risos voltam
E erguemo-nos radiantes.

Assim como nos rimos dos teus ogos,
Tu ris das nossas penas;
Ambos somos crianças, variando
O nosso brinquedo apenas.

Tu criaste uma vida imaginária
Que cede à fantasia.
Nós com a vida real também brincamos,
Porém sem alegria.


3 de Junho de 1862.

in Poemas

Joaquim Guilherme Gomes Coelho que utilizou o pseudónimo literário de Júlio Dinis nasceu no Porto a 14 de novembro de 1839, tendo na mesma cidade falecido a 12 de setembro de 1871.

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2014-11-13

Trago-te nos braços ao cair da tarde - Maria Aurora Carvalho Homem

Trago-te nos braços ao cair da tarde
quando a glicínia cheira na porta do meu corpo
tacteias a espaço a porta entreaberta
e reténs o grito na fogueira da boca
convulsionada e ágil te conduzo
na relva agora húmida e macia.
Fecho-me para crescer em ti
os dedos acordados e subtis

e é tudo água, vórtice, clarão.


in Antes que a noite caia, Editora Ausência

Aurora Augusta Figueiredo de Carvalho Homem, que usou os pseudónimos literários de Maria Aurora e de Maria Aurora Carvalho Homem, nasceu em Sátão (Viseu), 13 de novembro de 1937 - m. no Funchal, 11 de junho de 2010.



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2014-11-12

No centenário do desaparecimento de Augusto dos Anjos: O Sonho, a Crença e o Amor

The Kiss / Le Baiser (1822 x 1219 x 1530 mm, 3180 kg).
Collection Tate. François-Auguste-René Rodin
(Paris, 12 de novembro de 1840;
Meudon, 17 de novembro de 1917)

O sonho, a crença e o amor, sendo a risonha
Santíssima Trindade da Ventura
Pode ser venturosa a criatura
Que não crê, que não ama e que não sonha?!

Pois a alma acostumada a ser tristonha
Pode achar por acaso ou porventura
Felicidade numa sepultura,
Contentamento numa dor medonha?!

Há muito tempo, o sonho, do meu seio
Partiu num célere arrebatamento
De minha crença arrebentando a grade

Pois se eu não amo e se também não creio
De onde me vem este contentamento,
De onde me vem esta felicidade?!


Augusto de Carvalho Rodrigues dos Anjos (n. no Engenho Pau d'Arco, Paraíba, no dia 20 de abril de 1884; m. em Leopoldina em 12 de Nov. de 1914.

Ler do mesmo autor:
O Fim das Coisas
Debaixo do Tamarindo
Psicologia de um Vencido
Budismo Moderno
A Minha Estrela
Budismo Moderno
Ao Luar
A Ideia
Tempos Idos
Versos Intimos
Soneto (canta teu riso...)
Contrastes

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Já está a decorrer a 9ª Edição do BookCrossing Blogueiro


Ver a página do evento aqui

Nothingandall divulga e associa-se à iniciativa que decorre até 16 de novembro e de que Luz de Luma, yes party! é grande impulsionadora! Vamos dar destino útil aos livros...

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2014-11-11

Conjugação - António Maria Lisboa


A construção dos poemas é uma vela aberta ao meio e coberta de bolor
é a suspensão momentânea dum arrepio num dente fino
Como Uma Agulha

A construção dos poemas

A CONS
TRU
ÇÃO DOS
POEMAS

é como matar muitas pulgas com unhas de oiro azul
é como amar formigas brancas obsessivamente junto ao peito
olhar uma paisagem em frente e ver um abismo
ver o abismo e sentir uma pedrada nas costas
sentir a pedrada e imaginar-se sem pensar de repente

NUM TÚMULO EXAUSTIVO.

António Maria Lisboa (nasceu em Lisboa, 1 de Agosto de 1928 — m. Lisboa, 11 de Novembro de 1953)

Ler do mesmo autor, no Nothingandall:
Z
Projecto de Sucessão
Rêve Oublié

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Poema H - António Maria Lisboa

Sei que dez anos nos separam de pedras
e raízes nos ouvidos

e ver-te, ó menina do quarto vermelho,
era ver a tua bondade, o teu olhar terno
de Borboleta no Infinito

e toda essa sucessão de pontos vermelhos no espaço
em que tu eras uma estrela que caiu
e incendiou a terra

lá longe numa fonte cheia de fogos-fátuos.


in "Ossóptico e Outros Poemas"

António Maria Lisboa (nasceu em Lisboa, 1 de Agosto de 1928 — m. Lisboa, 11 de Novembro de 1953)

Ler do mesmo autor, no Nothingandall:
Poema Z
Projecto de Sucessão
Rêve Oublié

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2014-11-10

Senhora da Guadalupe - Hunald de Alencar

Senhora de Guadalupe
Era a lágrima da tarde:
Da janela se avistavam
Duas torres de saudades.

Os cristais eram mais belos
Com os verões juvenis:
O piano tinha uma sala
Povoada de boleros.

Mas era a brisa das águas
O bosque dos pensamentos:
As correntezas morenas
Dentro da carne dos ventos.

E quando a noite moldava
Os azulejos sombrios,
Senhora de Guadalupe
Recolhia as torres tristes
Na orfandade do rio.


Hunald Fontes de Alencar nasceu em 10 de novembro de 1942 em Estância, Sergipe

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2014-11-09

A Chuva Chove - Cecíla Meireles (na passagem do 50º aniversário do seu desaparecimento)


Chuva daqui

A chuva chove mansamente... como um sono
que tranquilize, pacifique, resserene...
A chuva chove mansamente... Que abandono!
A chuva é a música de um poema de Verlaine...

E vem-me o sonho de uma véspera solene,
em certo paço, já sem data e já sem dono...
Véspera triste como a noite, que envenene
a alma, evocando coisas líricas de outono...

... Num velho paço, muito longe, em terra estranha,
Com muita névoa pelos ombros da montanha...
Paço de imensos corredores espectrais,

onde murmurem, velhos órgãos, árias mortas,
enquanto o vento, estrepitando pelas portas,
revira in-fólios, cancioneiros e missais...


(in A Circulatura do Quadrado, Alguns dos Mais Belos Sonetos de Poetas cuja Mátria é a Língua Portuguesa - Edições Unicepe, 2004)

Cecília Benevides de Carvalho Meireles (n. no Rio de Janeiro a 7 de novembro de 1901 — m. no Rio de Janeiro, a 9 de novembro de 1964

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2014-11-08

ABISMOS - Teiexeira de Pascoaes

Por abismos sem fim, vou caminhando...
E o mais profundo abismo é o alto céu.
E que vertigens sempre sinto, quando
Me inclino sobre a luz que amanheceu!
É um abismo a oração que vou rezando.
É um mar sem fundo a flor que renasceu...
Nas palavras que vou pronunciando,
Cada ideia é tão alta como o céu!
Sobre abismos, caminho dia a dia...
Das suas negras trevas se irradia
Uma outra escuridão ainda maior...
Que a mim me diz, nas horas em que cismo,
Que é um abismo junto d´outro abismo,
Meu coração ao pé do seu amor!...


Joaquim Pereira Teixeira de Vasconcelos, que usou o pseudónimo litrerátrio de Teixeira de Pascoaes, nasceu em 8 de novembro de 1877 (*) em Amarante; m. em 14 de dezembro de 1952.

(*) Conforme assento oficial de nascimento; de algumas fontes biográficas consta a data de 2 de novembro

Ler também do mesmo autor:
Ao Crespúsculo
Esperança e Tristeza
Além de mim
O Poeta
A sombra do Tâmega;
Canção da Névoa
À Minha Musa
A Sombra da Vida (excerto)
Elegia do Amor;
Quem és tu? De onde vens?...

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2014-11-07

CANÇÃO - Cecília Meireles (+ fado cantado por Amália Rodrigues)

Pus o meu sonho num navio
e o navio em cima do mar;
– depois abri o mar com as mãos
para o meu sonho naufragar.

Minhas mãos ainda estão molhadas
do azul das ondas entreabertas,
e a cor que escorre dos meus dedos
colore as areias desertas.

O vento vem vindo de longe,
a noite se curva de frio,
debaixo da água vai morrendo
meu sonho, dentro de um navio...

Chorarei quanto for preciso,
para fazer com que o mar cresça,
e o meu navio chegue ao fundo
e o meu sonho desapareça.

Depois, tudo estará perfeito:
praia lisa, águas ordenadas,
meus olhos secos como pedras
e as minhas duas mãos quebradas.


Cecília Benevides de Carvalho Meireles (Rio de Janeiro, 7 de novembro de 1901 — Rio de Janeiro, 9 de novembro de 1964)

Amália Rodrigues canta este poema (sem a última estrofe) neste fado «Naufrágio». Imperdível e comovente!...

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2014-11-06

ESPERO - Sophia de Mello Breyner Andresen

Espero sempre por ti o dia inteiro,
Quando na praia sobe, de cinza e oiro,
O nevoeiro
E há em todas as coisas o agoiro
De uma fantástica vinda.


Sophia de Mello Breyner Andresen nasceu no Porto a 6 de novembro de 1919; m. Lisboa, 2 de julho de 2004.

Tarde
Pátria
Partida
Espera
Apolo Musageta
Eis-me
Mar Sonoro
Porque
Promessa
Liberdade
Pudesse eu

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2014-11-05

FINIS - Heitor Stockler de França

Talvez não seja o meu amor extinto.
Quem sabe? Penso e fico menos triste.
E algum prazer só de pensar eu sinto...
Só de pensar que o meu amor existe.

- E existe, disse ao coração, - existe!

Mas, me enganei, fora ilusão fugace,
Quanta perfídia ela guardava em si.
E se calou, ao menos se falasse...
Se me falasse eu via que menti.

- Menti, diria ao coração, - menti!

Porém, agora, é tudo descoberto...
Se perguntar-me o desespero seu:
- Que é desse amor, que eu já contava certo?...
- Que é desse amor? Existe ou já morreu?

- Morreu! Direi ao coração, - morreu!


Heitor Stockler de França nasceu no dia 05 de novembro de 1888, na cidade de Palmeira, interior do Paraná, tendo falecido em Curitiba, a 11 de janeiro de 1975.

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2014-11-04

CHUVA DE CAJU - Joaquim Cardozo

Como te chamas, pequena chuva inconstante e breve?
Como te chamas, dize, chuva simples e leve?
Tereza? Maria?
Entra, invade a casa, molha o chão,
Molha a mesa e os livros.
Sei de onde vens, sei por onde andaste.
Vens dos subúrbios distantes, dos sítios aromáticos.
Onde as mangueiras florescem, onde há cajus e mangabas,
Onde os coqueiros se aprumam nos baldes dos viveiros
E em noites de lua cheia passam rondando os maruins:
Lama viva, espírito do ar noturno do mangue.
Invade a casa, molha o chão,
Muito me agrada a tua companhia,
Porque eu te quero muito bem, doce chuva,
Quer te chames Tereza ou Maria.

1936

Joaquim Maria Moreira Cardozo (n. no Recife a 26 de agosto de 1897; m. em Olinda a 4 de novembro de 1978)

Ler do mesmo autor neste blog:
Poema do Amor Sem Exagero
Aquarela
A Várzea Tem Cajazeiras

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Beer or Porto Wine? ... May be both!



Alfred Henry (Freddy) Heineken was born on November 4, 1923, in Amsterdam, Netherlands (d. January 3, 2002). He was a major stock holder and president of Heineken International, the brewing company bought in 1864 by his grandfather Gerard Adriaan Heineken in Amsterdam.


Antónia Adelaide Ferreira died in Lisbon on Nov 4, 1836 (b. in Évora on Aug 28, 1780). She was an important personality who developed the culture of wine in Douro and transform it in one of the most important industries in Portugal.

So... lets drink a beer with shrimps ... and after that with dessert (a sweet cake or some cheese) you must to taste a wonderful vintage Porto wine. Deal!

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2014-11-03

Não Me Deixes - Gonçalves Dias (na passagem dos 150 anos sobre o desaparecimento do poeta)

Purple flower riverFlores perto dum regato imagem daqui

Debruçada nas águas dum regato, A flor dizia em vão À corrente, onde bela se mirava… "Ai, não me deixes, não!" "Comigo fica, ou leva-me contigo Dos mares à amplidão: Límpido ou turvo, te amarei constante; Mas não me deixes, não!" E a corrente passava; novas águas Após as outras vão; E a flor sempre a dizer, curva na fonte: "Ai, não me deixes, não!" E das águas que fogem incessantes À eterna sucessão, Dizia sempre a flor, e sempre embalde: "Ai, não me deixes, não!" Por fim desfalecida e a cor murchada, Quase a lamber o chão, Buscava inda a corrente por dizer-lhe Que a não deixasse, não. A corrente impiedosa a flor enleia, Leva-a do seu torrão; A afundar-se dizia a pobrezinha: "Não me deixaste, não!"

in Cinco Séculos de Poesia, Antologia da Poesia Clássica Brasileira; Selecção e Introdução de Frederico Barbosa, Landy Editores.

Antônio Gonçalves Dias (nasceu no dia 10 de agosto de 1823, nos arredores de Caxias, no Maranhão. Faleceu ao regressar de uma viagem à Europa, no naufrágio do "Ville de Boulogne", já próximo do Maranhão, a 3 de novembro de 1864).

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2014-11-02

Fidelidade - Jorge de Sena

Diz-me devagar coisa nenhuma, assim
como só a presença com que me perdoas
esta fidelidade ao meu destino.
Quanto assim não digas é por mim
que o dizes. E os destinos vivem-se
como outra vida. Ou como solidão.
E quem lá entra? E quem lá pode estar
mais que o momento de estar só consigo?

Diz-me asim devagar coisa nenhuma:
o que à morte se diria, se ela ouvisse,
ou se diria aos mortos, se voltassem.


Extraído de Poemas de Amor, Antologia de poesia portuguesa, Organização e prefácio de Inês Pedrosa, Publicações Dom Quixote

Jorge Cândido de Sena (n. em Lisboa a 2 Nov 1919; m. em Santa Bárbara, Califórnia a 4 Jun 1978)

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2014-11-01

Citação do dia - Campos de Carvalho

Os homens, as pulgas e as ratazanas se assemelham nisto: que hoje estão vivos mas amanhã estarão mortos, irremediavelmente mortos, e para sempre.

in A Lua vem da Ásia (1956)

Walter Campos de Carvalho (Uberaba, Minas Gerais, 1 de novembro de 1916 — São Paulo, 10 de abril de 1998)

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