É uma tarde de estio, é uma tarde de estio
há vinte e tantos anos já extinta...
Estou sob as japoneiras, vejo o rio
e oiço os gritos dos pavões na quinta...
A minha mãe faz doces na cozinha,
E os meus irmãos (que agora estão com Ela)
sopram (eu oiço-os rir) toda a tardinha
as bolas de sabão, a uma janela...
Nessa penumbra glauca há humidade...
E eu penso que nada, nada existe
tão bom como assim estar, um pouco triste,
numa preguiça em que já há saudade...
Depois vêm-me chamar: é a merenda,
eu beijo as mãos de minha mãe contente;
é sob a acácia do portão que arrenda
o ar da tarde luxuosamente...
Merendamos todos três. Depois calados,
ficamos ao pé d'Ela a olhar a tarde;
e os olhos do Emílio, extasiados,
beijam-na sempre com um olhar que arde,
olhos de mago em que há tanta doçura
(queria ser em grande marinheiro)
que se podia ver que era o primeiro
que ia, a sorrir, bater à sepultura...
Depois (ainda com tarde) veio a lua,
mirrou-se, toda de âmbar, sobre o rio...
E nada mais...as ralas... é estio...
calor da terra que respira e sua...
a sombra caminhando pela quinta
aos gritos dos pavões na tarde extinta
in Poemas Portugueses Antologia da Poesia Portuguesa do Séc. XIII ao Séc. XXI
Selecção, organização, introdução e notas: Jorge Reis e Rui Lage
Prefácio: Vasco da Graça Moura
Porto Editora, 2009
António Patrício (n. no Porto a 7 Mar 1878, m. em Macau (China) a 4 Jun 1930)
Ler do mesmo autor, neste blog:
O QUE É VIVER
Uma Manhã no Golfo do Corinto
Relíquia
Em Prinkipo
1 comentário:
Querido amigo; uma bela prosa poética! Lembranças, saudades, belas tardes que jamais se apagarão da memória!
Boa semana! Beijos
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