O lenço que tu me deste
Trago–o sempre no meu seio,
Com medo que desconfiem
Donde este lenço me veio.
As letras que lá bordaste
São feitas do teu cabelo;
Por mais que o veja e reveja,
Nunca me farto de vê-lo.
De noite dorme comigo,
De dia trago – o no seio,
Com medo que os outro saibam
Donde este lenço me veio.
Alvo, da cor da açucena,
Tem um ramo em cada canto;
Os ramos dizem saudade,
Por isso lhe quero tanto.
O lenço que tu me deste
Tem dois corações no meio;
Só tu no mundo é que sabes
Donde este lenço veio.
Todo ele é de cambraia,
O lenço que me ofereceste;
Parece que inda estou vendo
A agulha com que o bordaste.
Para o ver até me fecho
No meu quarto com receio,
Não venha alguém perguntar-me
Donde este lenço me veio.
A cismar neste bordado
Não sei até no que penso;
Os olhos trago – os já gastos
De tanto olhar para o lenço.
Com receio de perdê-lo
Guardo – o sempre no meu seio,
De modo que ninguém saiba
Donde este lenço me veio.
Nas letras entrelaçadas
Vem o meu nome e o teu;
Bendito seja o teu nome
Que se enlaçou com o meu!
Por isso o trago escondido,
Bem guardado no meu seio,
Com medo que me perguntem
Donde este lenço me veio.
Quanto mais me ponho a vê – lo,
Mais este amor se renova;
No dia do meu enterro
Quero levá-lo p'ra cova.
Vem pô-lo sobre o meu peito,
Que eu hei-de tê-lo no seio;
Mas nunca digas ao mundo
Donde este lenço me veio.
José Simões Dias (nasceu na Benfeita, Arganil,a 5 de Fevereiro de 1844 e morreu em Lisboa a 3 de Março de 1899).
Ler do mesmo autor: Sol entre nuvens
2 comentários:
não há qualquer problema, até é uma honra ante um poema tão bonito!
Muito bonito o lenço, muito belo o poema, muito bom gosto e sensibilidade ao mostrar-nos tanta beleza.
Tenho uma fotografia duma montra da Vista Alegre do Chiado que estava decorada com uma colcha no mesmo género do lenço.
A ingenuidade destas peças encanta-me.
Abraço
Maria
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