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José Sócrates (de Magalhães)

Não sei se é para preparar o terreno no caso do desenvolvimento da crise implicar o despedimento (também) do primeiro ministro, mas a verdade é que José Sócrates anda disposto a demonstrar a sua versatilidade como vendedor ou publicitário. Basta ver a propaganda que fez na Cimeira Ibero-Americana.

Afinal o Magalhães, «computador da última geração» é «uma espécie de Tintim: para ser usado desde os sete aos 77 anos». «Foi pensado para as crianças e por isso é resistente ao choque. O Presidente Chávez já o atirou ao chão e não o conseguiu partir». Crianças com 77 anos? Este apelo às crianças e até à banda desenhada quando se fala com os políticos funciona sempre maravilhosamente. Estou certo de que se não lhes tivesse sido oferecido um iriam imediatamente comprá-lo.

A língua lambe - Carlos Drummond de Andrade


A língua lambe as pétalas vermelhas
da rosa pluriaberta; a língua lavra
certo oculto botão, e vai tecendo
lépidas variações de leves ritmos.
E lambe, lambilonga, lambilenta,
a licorina gruta cabeluda,
e, quanto mais lambente, mais ativa,
atinge o céu do céu, entre gemidos,
entre gritos, balidos e rugidos
de leões na floresta, enfurecidos

Carlos Drummond de Andrade (n. em Itabira (Minas Gerais) a 31 de Out. de 1902; m. no Rio de Janeiro, a 17 de Ago de 1987)

Ler do mesmo autor neste blog: Quero; O amor antigo; Indagação; Amar; Quarto em desordem

On this day in History - Oct. 31

2008-10-30

Humor (negro): Falências na Hora


O Governo Português apostado que está na desburocratização lançou um grande projecto de Modernização Administrativa, objectivo prioritário para cativar o investimento. Este projecto tem uma rede de balcões distribuída por todo o país, tecnologicamente equipada com computadores de última geração «Magalhães». Consta ainda que o financiamento deste projecto é feito à custa das coimas que cobra às empresas por falta de entrega do IVA ainda que não tenha sido recebido do cliente. O nome do projecto é «Falências na Hora».

(Artigo de ficção inspirado pela crise e nesta notícia)

Apagou-se, por fim, o incerto lume ... - Alfredo Guisado

Lume imagem daqui

Apagou-se, por fim, o incerto lume,
que, em volta do meu ser, ainda ardia,
e o velho alfange, de inquietante gume,
cortou o voo que meu sonho erguia.

Apagou-se, por fim, o lume incerto…
e fiquei-me entre as urzes, hesitante,
no local que pr’a o além era o mais perto
e pr’a voltar a mim o mais distante.

Abandonada, então, essa charneca,
vestida de silêncio, árida e seca,
rodeou-me a minha alma sonhadora.

Afastei-me. Acabei por me perder:
sem poder atingir o que quis ser
e sem poder voltar ao que já fora.

Alfredo Pedro de Meneses Guisado nasceu a 30 de Outubro de 1891 em Lisboa, onde faleceu a 2 de Dezembro de 1975. De ascendência galega, completou o curso de Direito, em 1921, na sua cidade natal, mas nunca exerceu a advocacia, dedicando-se antes ao jornalismo e à intervenção cívica: deputado do Partido Republicano Português, chegou a ser governador civil substituto e director-adjunto do diário «República». Colaborador da revista «Orpheu», foi um poeta paúlico e sensacionista, mais afim de Sá-Carneiro do que de Pessoa. Bilingue, tanto escrevia em português («Distância», 1914) como em galego («Xente d' Aldea», 1921) e ora assinava Alfredo Guisado ora Pedro de Meneses.

Soneto e nota biobibliográfica extraídos de «A Circulatura do Quadrado - Alguns dos Mais Belos Sonetos de Poetas cuja Mátria é a Língua Portuguesa. Introdução, coordenação e notas de António Ruivo Mouzinho. Edições Unicepe - Cooperativa Livreira de Estudantes do Porto, 2004.

Decadência - Raul de Leoni

Afinal, é o costume de viver
Que nos faz ir vivendo para a frente.
Nenhuma outra intenção, mas, simplesmente
O hábito melancólico de ser...

Vai-se vivendo... é o vício de viver...
E se esse vício dá qualquer prazer à gente,
Como todo prazer vicioso é triste e doente,
Porque o Vício é a doença do Prazer...

Vai-se vivendo... vive-se demais,
E um dia chega em que tudo que somos
É apenas a saudade do que fomos...

Vai-se vivendo... e muitas vezes nem sentimos
Que somos sombras, que já não somos mais nada
Do que os sobreviventes de nós mesmos!...

Raul de Leoni Ramos (n. Petropolis, 30 Out 1895; m. Itaipava, a 21 Nov 1926)

Ler outros poemas de Raul Leoni no Nothingandall

On this day in History - Oct. 30